O setor de transportes enfrenta uma série de desafios que afetam diretamente a saúde e a segurança de seus profissionais, como entregadores, motoristas de aplicativo e condutores de veículos de carga. Problemas como fadiga, estresse, exposição a substâncias nocivas e situações perigosas nas estradas contribuem para um cenário de risco. Em meio ao Maio Amarelo, movimento global de conscientização para a segurança no trânsito, a campanha “Juntos por um Ambiente de Trabalho Seguro e Saudável”, do Ministério Público do Trabalho (MPT) foca na segurança desses trabalhadores.
Os motoristas de veículos de carga, fundamentais para a distribuição de mercadorias em todo o país, lidam diariamente com jornadas extensas e pressão para cumprir prazos, o que contribui para um alto índice de acidentes. Dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) mostram que esses trabalhadores estão entre os 10 profissionais que mais sofrem lesões decorrentes de acidentes de trabalho no Brasil, com 117 mil acidentes registrados entre 2014 e 2021. De acordo com dados da Operação Jornada Legal, ação conjunta entre o MPT, MTE e Polícia Rodoviária Federal (PRF), um a cada quatro motoristas fiscalizados foram autuados por descumprirem a lei do descanso, que prevê pausas de meia hora de descanso a cada 5 horas e meia trabalhadas entre outros direitos. Ao longo de 2023, o número é ainda maior. São mais de 32 mil autos de infração, o que representa cerca de 33% do total de motoristas fiscalizados (cerca de 90 mil).
Segundo dados do MPT, 25,47% dos profissionais trabalham mais de 13 horas e 56,60% laboram, todos os dias, entre 9 e 12 horas diárias. As informações também confirmam que a jornada exaustiva está ligada diretamente ao uso de substâncias químicas, os chamados “rebites”. Entre aqueles que trabalham mais de 16 horas, 50% confirmam que utilizam algum tipo de substância. O número cai para 15,79% quando o trabalhador labora entre 4 e 8 horas. Entre aqueles que utilizam, 77,27% afirmam que o objetivo do uso é para “não dormir”.
“Tempestade perfeita”
A situação do trânsito de cargas nas estradas brasileiras pode ser comparada a uma “tempestade perfeita”. Muitos desses acidentes são evitáveis, mas ocorrem devido a uma série de fatores complexos. Entre eles, a extensão e a má condição das estradas, bem como a pressão sobre os motoristas para entregarem as cargas dentro de prazos apertados.
A procuradora e coordenadora nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho (Codemat), Cirlene Zimmermann, ressalta que o contexto do mercado frequentemente leva os motoristas a adotarem comportamentos arriscados, como excesso de velocidade, ultrapassagens perigosas e até mesmo o uso de substâncias para se manterem acordados. Tudo isso ocorre em um ambiente em que a fiscalização e a educação no trânsito nem sempre são eficazes. “É preciso parar de naturalizar que motoristas conduzam cargas por 12, 14, 16 horas por dia sem descanso. Para isso, empresas de transporte, motoristas, governo e a sociedade precisam unir esforços para promover uma cultura de segurança e de valorização da saúde das pessoas que trabalham nas estradas”, afirma.
Isso inclui ações como campanhas de conscientização contínuas, integração do tema nos currículos escolares, melhorias nos programas de formação dos motoristas e investimentos em saúde e condições de trabalho. Além disso, são necessárias medidas como a melhoria da infraestrutura rodoviária, a manutenção preventiva e a inspeção de veículos, bem como a adoção de tecnologias avançadas de segurança, como sistemas de frenagem automática e alertas de colisão. Também é fundamental a criação e manutenção de áreas de descanso seguras e confortáveis ao longo das rodovias, para que os motoristas possam recuperar suas energias de maneira adequada.
“Um outro aspecto é o fortalecimento da fiscalização. Precisamos ampliar a presença de agentes de trânsito, uso de tecnologias como radares, câmeras de monitoramento, para fiscalizar de modo adequado o cumprimento das leis de trânsito. E, por último, citaria a questão dos investimentos em alternativas de transporte que possam reduzir essa dependência que temos no Brasil das rodovias”, complementa a procuradora.
Entregadores
Os entregadores enfrentam desafios específicos, como a pressão por entregas rápidas, resultando em longas jornadas e desatenção ao trânsito. Estudo realizado pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) em parceria com a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec) revelou que um em cada quatro entregadores no Brasil já sofreu um acidente. Os motoristas de aplicativo, inseridos no tráfego urbano, enfrentam riscos associados ao trânsito intenso e, em alguns casos, à violência urbana. A falta de regulamentação e proteção trabalhista adequada contribui para um ambiente precário, aumentando a propensão a acidentes.
Outro problema, generalizado quando se fala em acidentes envolvendo veículos, é a subnotificação. O desafio envolvendo a situação dos motoristas e motociclistas de aplicativos é maior ainda, já que o sistema de contratação desses trabalhadores afasta qualquer responsabilização por parte da empresa. “A falta de dados condizentes com a realidade impede a implementação de políticas públicas adequadas. O primeiro argumento das empresas costuma ser de que o trabalhador não é seu empregado, logo nenhuma notificação seria devida. Mas não é assim que funciona: as empresas têm o dever de comunicar os acidentes do trabalho, independentemente da gravidade”, alerta Cirlene.
Importância da segurança no trabalho
O cumprimento das normas obrigatórias, como a NR 12, que determina regras de segurança para esses trabalhadores, é crucial. O setor de transporte é o quinto com maior número de autuações por descumprimento de normas trabalhistas, com mais de 163 mil registros desde 2012. Além de evitar multas, o cumprimento das normas previne acidentes e salva vidas, contribuindo para a produtividade das empresas.
Governos, empresas e organizações do setor devem adotar medidas abrangentes para prevenir acidentes, incluindo investimentos em treinamentos específicos, regulamentações mais claras, jornadas de trabalho equilibradas, proteções sociais robustas e a promoção de uma cultura de segurança. O bem-estar dos profissionais do transporte é fundamental para manter o setor em movimento. Somente com esforços coordenados será possível garantir um ambiente de trabalho seguro e saudável, salvando vidas e promovendo a produtividade.
Documentário e campanha
No final do mês de abril, também como parte da campanha “Juntos por um Ambiente de Trabalho Seguro e Saudável”, o Ministério Público do Trabalho lançou um documentário de 10 minutos, que examina os impactos humanos e financeiros dessas ocorrências para empresas e empregadores. Em cerca de 10 minutos, o filme mostra que o Brasil está entre os países mais perigosos para se trabalhar – são 70 acidentes por hora.
A campanha teve início em janeiro de 2024 e prossegue até o final de agosto. Em cada mês, um tema específico é abordado. Já foram trabalhados Riscos Psicossociais (janeiro); Setor Aeroportuário (fevereiro); Setor Industrial (março); Construção Civil (abril) e Setor de Transportes (maio). Ainda estão previstos Mineração (junho); Agropecuária (julho); e Saúde e Serviços Sociais (agosto). A campanha utiliza recursos atrativos como cards para as redes sociais, vídeos de animação, cartazes, infográficos e documentários com especialistas no tema e pode ser replicada por empresas e organizações gratuitamente. “Com essa campanha, pretendemos alertar empregadores e engajar empregados em ações e cuidados com o meio ambiente do trabalho”, complementa a subprocuradora Cristina Aparecida Ribeiro Brasiliano.
O conteúdo da campanha “Juntos por um Ambiente de Trabalho Seguro e Saudável” é disponibilizado para download gratuito no site, permitindo que empresas e organizações possam aderir à iniciativa, compartilhando o material em suas redes sociais, sites ou redes internas e unindo esforços de empregadores e empregados em prol de um ambiente de trabalho com tolerância zero para acidentes e doenças laborais.
Dados sobre segurança do trabalho nas estradas:
- Segundo números do MPT, 33,96% dos condutores de cargas têm menos de 4 dias de repouso por mês. Em relação ao intervalo entre jornadas, 13,21% afirmam que descansam menos de 6 horas, enquanto 33,96% têm o intervalo de 6 a 8 horas. Em relação ao tempo médio de ‘espera’, 37,74% aguardam por mais de 6 horas entre uma carga e outra.
- O motorista flagrado recebe multa de trânsito, no valor de R$130,16, além de quatro pontos no prontuário e a possibilidade de o veículo ficar retido até o cumprimento do tempo de descanso. Além disso, estão sujeitos a multas trabalhistas.
- O intervalo de descanso deve ser de 11 horas consecutivas dentro de um período de 24 horas de trabalho. A coincidência do descanso com a parada obrigatória durante a condução do veículo não é permitida.
- Em viagens com duração superior a sete dias, o repouso semanal deverá ser de 24 horas contínuas e não cumulativas, por semana ou fração trabalhada, sem prejuízo do repouso diário de 11 horas, totalizando 35 horas de descanso.
- Em viagens longas em que o empregador contrata dois motoristas, deve haver repouso mínimo de seis horas em alojamento ou na cabine leito com o veículo estacionado a cada 72 horas.
- No caso de transporte de passageiros com dois motoristas, como ônibus, deve ser assegurado, após 72 horas, o repouso em alojamento externo ou em poltrona leito com o veículo estacionado.
- Cerca de 65% do transporte de cargas do Brasil é feito pelas rodovias, segundo o Relatório Executivo do Plano Nacional de Logística 2025.
- Muitos dos caminhoneiros envolvidos em acidentes nas estradas se apresentam como autônomos. Em 2021, havia cerca de 820.000 motoristas cadastrados dessa forma na Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT). Ao controlarem a própria jornada, muitas vezes trabalham além do que é seguro. Há casos de caminhoneiro dirigindo uma carreta por 40 horas sem parar. Grande número de autônomos presta serviço para transportadoras e, por isso, o retorno financeiro está relacionado ao número de viagens.