A SECA
Inicialmente faremos uma ligação da seca com o movimento de migração ocorrido durante o Estado Novo, período em que o Governo Federal autorizou uma maciça campanha de recrutamento de trabalhadores nordestinos para trabalharem na extração do látex e na produção em larga escala da famosa borracha natural, visando atender o mercado internacional desta matéria prima – mais precisamente os Estados Unidos – procurando evitar um colapso da indústria bélica dos americanos no auge da segunda guerra mundial.
O estigma da seca sempre castigou o modo de vida do sertanejo que nunca poupou esforços para sobreviver na região do semiárido nordestino. Ainda cedo da madrugada, o caboclo da roça se levanta e acompanhado da mulher e dos filhos mais velhos, deixa a velha casa de Taipa, leva um pouco de farinha e um pedaço de rapadura preta, e uma pequena cabaça d’água que fica alojada na sombra do Juazeiro. Sob o sol ardente segura o cabo da chibanca e vai arrancar o “toco” da jurema preta num pedaço de terra arrendado do patrão.
Depois de brocar, começa a rezar e a depositar suas últimas esperanças à espera de uma chuva que venha propiciar o plantio de arroz e feijão, e nada mais do que isso, pois seria a alimentação básica para manter a família de pé e continuar na luta pela vida. O complemento alimentar, a própria caatinga se destinava a oferecer: Teiú (Tiú), preá, camaleão e demais animais de pequeno porte, dos quais o caboclo se enchia de alegria ao saborear a carne.
As secas periódicas obrigavam famílias inteiras a percorrerem léguas de estradas em busca da preciosa água. A mulher transformava um velho pedaço de pano (molambo) em um pequeno suporte oval denominado rodilha, – ou “rudia” na linguagem popular do sertão – para receber um “pote de barro” em sua cabeça. Já outros em “melhores condições”, colocavam um cabresto num jumento, depois os “cambitos” e duas ancoretas de madeira para fazer o transporte de água até seu destino final.
Desta forma o homem simples do sertão vai enfrentando os desafios na natureza com suas cotidianas adversidades, e vítima da “indústria da seca”, marcha valentemente chorando as mágoas de um sistema político-econômico caduco e atrofiado, que o condena às margens da sociedade capitalista.
O abandono a que foram submetidos os sertanejos nordestinos em suas secas periódicas deixaram dados impressionantes de mortandade humana. A pesquisadora Maria Verônica Secreto nos informa que embora os dados sejam imprecisos, são indicativos do sofrimento e da catástrofe. Na seca de 1877-1879, a cidade de Fortaleza, com aproximadamente 25 mil habitantes, recebeu 114 mil retirantes, que transformaram a cidade na capital de um “pavoroso” reino.
Segundo a mesma pesquisadora, o repórter Herbert Smith, que estava no Ceará cobrindo a seca para a Scribner’s magazine, registrou que, durante a seca, 500 mil sertanejos haviam morrido de varíola e fome. Mike Davis, por sua vez, estima que nas três secas de dimensões globais (1877-1879; 1889-1891 e 1896-1902) que provocaram profundas crises de subsistência, o tributo humano não pode ter sido inferior a 30 milhões de vidas.
Outras grandes secas, porém, continuaram a dizimar a população nordestina. As secas de 1915 e 1942 deixaram rastros de miséria e desolação. Neste momento entra em cena o departamento de imprensa e propaganda – DIP, órgão responsável pelas propagandas oficiais do Estado Novo. O DIP comandaria uma intensa campanha ideológica que visava persuadir os flagelados da seca à marcharem rumo a Amazônia brasileira e a conquistarem o novo “Eldorado”.
Estava assim dada a largada para a grande “marcha para o oeste” do Estado Novo. O discurso dominante precisava entrar em cada lar, convencendo, iludindo, conquistando e persuadindo famílias inteiras a migrarem para “um novo mundo” que ofereça conforto e dignidade.