Pesquisadores de três universidades federais, por meio do edital do Programa Nacional de Cooperação Amazônica (Procad Amazônia/2018), promovido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Ministério da Educação (MEC) desenvolvem pesquisas científicas em diversas localidades na Amazônia desde 2019. O Procad Amazônia reúne pesquisadores da Universidade Federal de Roraima, Rondônia e Ceará. Tem contribuído diretamente com pesquisas já desenvolvidas, neste particular, com foco nas grandes obras de infraestruturas na Ama-zônia. Especialmente no campo das ciências humanas e sociais, tem-se identificado que, os processos analisados, são os impactos e eventos econômicos, ambientais, sociais e culturais que os megaprojetos trazem para o território.
Usina hidrelétrica de Santo Antônio construída no rio Madeira, em Rondônia – Foto: Santo Antônio Energia/Divulgação
As barragens construídas para abastecer o Sistema Interligado Nacional (SIN) em rios importantes para a vida ribeirinha, têm dividido os territórios das populações tradicionais. Desta forma, esses megaempreendimentos hídricos eliminam os lugares de origem, criam novas rotinas em cidades, alagam vilas e comunidades, reduzem a atividade de pesca e geram a exclusão social em larga escala. Verifica-se com regularidade que os ditos “benefícios” ou compensações provenientes da implementação das Usinas Hidrelétricas (UHE’s) são, muitas vezes, concentrados em locais distantes dos lugares anteriores existentes, cuja relação das pessoas com os rios e matas era histórica, singular e afetiva.
As obras das UHE’s de Jirau e Santo Antônio (Rondônia) e Belo Monte (Pará) são símbolos desse processo galopante no Brasil de vampirização social ou, como alguns geógrafos chamam: um processo que faz a ‘natureza ser metabolizada em mercadoria’. Neste sentido, as promessas de progresso, emprego e renda para as populações afetadas estão distantes de virar realidade. No campo do discurso oficial, a região amazônica e suas populações atingidas por barragens “viveriam no paraíso”. Na prática, como observado pelos pesquisadores do Procad em Rondônia, o que sobram é tristeza, danos ambientais e uma crescente dívida social que ficará por gerações. Persiste o modelo predatório que se impõe sobre as populações menos privilegiadas. No caso específico da Usina de Santo Antônio, em Porto Velho (RO) e os impactos sobre a vila Santo Antônio, que foi assentada na Vila Nova Teotônio, os danos sociais são irreversíveis. A preocupação dos especialistas são as futuras barragens previstas para a Amazônia, onde o estado Roraima também é foco de atenção e risco.
A equipe do Procad esteve na vila nesse mês de novembro para conhecer a realidade e conversar com a moradores. No estudo publicado no artigo de autoria das geógrafas Girlany Silva e Madalena Cavalcante, intitulado “Hidrelétricas e populações tradicionais: conflitos no uso dos recursos hídricos na comunidade de Teotônio”, fica evidente o aspecto socioeconômico presente na vila antes da UHE, quando as autoras apontam que: “A economia da população da antiga Vila do Teotônio estava relacionada à pesca, com o representativo de 52% dos entrevistados. Cerca de 29% desenvolviam a atividade de comércio, aproximadamente 14% exerciam a agricultura de várzea na vazante do rio e 5% tinham uma ligação com o turismo, especialmente relacionado à Cachoeira do Teotônio”. Uma realidade que se perdeu com a formação do grande lago que cobre as memórias de um tempo de prosperidade.
Vista aérea e parcial do lago onde foi construída a Vila Nova Teotônio em Porto Velho Foto: Bruno Natanael (setembro de 2019)
Procad – O Procad Amazônia tem como objetivo estudar esses aspectos, reunindo e analisando informações sobre as estratégias de ordenamento territorial em comunidades de interesse socioambiental na Amazônia. Dr. Flávio Nascimento, professor e geógrafo da Universidade Federal do Ceará, coordenador regional do Procad naquele estado, alerta que a dinâmica do sistema global, da superfície, da atmosfera e do oceano depende muito e intrinsicamente do bioma amazônico. “As condições ambientais, tanto físicas, quanto humanas são colossais. Sua relação com o Brasil e com o mundo depende, portanto, muito do modo como a floresta, suas águas e a fauna são utilizadas, se mais degradas ou mais conservadas”, orientou.
A expansão de hidrelétricas, conforme a geógrafa e professora Drª, Madalena Cavalcante, se dá pelo potencial hídrico, demonstrado pela quantidade de projetos futuros que existem, conforme previsto no Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE), com o objetivo de atender as demandas dos centros industriais consumidores. “Nesse sentido a expansão nos apresenta uma problematização quando observamos as peculiaridades que a região tem principalmente no que se refere as populações tradicionais localizadas as margens do rio, onde as obras são instaladas”, disse a professora.
Ela destaca a importância dos estudos sobre o uso dos recursos hídricos, pois o rio é a principal fonte de renda e de subsistência das comunidades, as atividades estão atreladas ao próprio ciclo do rio de cheia e vazante, além da atividade de pesca que é a base alimentar dessas populações. A crítica da pesquisadora está fundamentada, como dito, nos longos anos de pesquisa sobre o tema, especialmente, estudando o ‘Complexo Hidrelétrico do Madeira’, projeto estatal iniciado em 2001 em Rondônia.
Madalena Cavalcante explica ainda que, ao tratar de infraestrutura na Amazônia pensa-se nas hidrelétricas também. “Porém, falar em hidrelétrica é falar de segurança hídrica e segurança alimentar para as comunidades tradicionais. Isso nos coloca em um ponto dos mais controversos que afetam os rumos do desenvolvimento na Amazônia brasileira nas próximas décadas. A construção de hidrelétricas provoca uma cadeia de evento e impactos com alcance muito além das barragens e do próprio reservatório”, pontuou.
Nova Teotônio: parques, praças e quadras foram construídos no reassentamento, mas falta vida.Foto: Éder Santos (Equipe Procad/UFRR)
Ela destaca ainda um exemplo de impacto social grave, que é a desterritorialização e expulsão de 100% das comunidades atingidas por tais empreendimentos. “Quando são reassentadas, não têm as mesmas condições para continuar desenvolvendo as atividades de anteriormente e que, ao longo do tempo, vai perdendo o modo de vida que não é preservado”, explicou. Segundo Cavalcante, outra preocupação é a desafetação de áreas protegidas que envolvem grupos como os indígenas, os quilombolas, dentre outros. “O Procad nos auxilia a identificar e pesquisar áreas de interesse, situações como essas para que juntos com a administração pública possamos pensar políticas públicas que possam minimizar esses efeitos”, finalizou.
Segundo a Drª Luiza Câmara, também geógrafa e professora do PPG-GEO/UFRR, o projeto avalia essas estratégias de ordenamento territorial e socioambiental na Amazônia e, principalmente, em Roraima e Rondônia, identificando e caracterizando geograficamente essas comunidades. “Isso vai possibilitar analisar essas políticas de ordenamento territorial pensadas para a região e essas comunidades em situação de vulnerabilidade”, explicou. Para ela, a produção científica terá temas relacionados à Amazônia e o trabalho, em conjunto entre as três instituições, possibilitará a troca de conhecimento acadêmica e geográfico, assim como um banco de dados relacionados a esse ordenamento que envolve as comunidades em situação de vulnerabilidade”, conclui.
A professora e geógrafa do PPG-GEO/UFRR, Drª Elisângela Lacerda, defende que é possível buscar caminhos para a construção de uma Amazônia para todos, “na qual os direitos das comunidades tradicionais sejam de fato respeitados e considerados na elaboração de políticas públicas para a região” enfatizou.
Reportagem: Éder Santos (Equipe Procad Amazônia/UFRR).