Nossos dias são cada vez mais corridos. O tempo esvai-se como uma irrefreável torrente de águas, rio abaixo. Há nas pessoas uma estranha associação entre ter pouco tempo e ter muita responsabilidade, o que quase sempre é um engano. O leitor dirá: “Mas quem tem muito tempo à toa é vagabundo!” Não é exatamente disso que falo. Estou pensando na real necessidade de enchermos nossos dias com tantas coisas que afinal serão apenas aflição de espírito e enfado da carne.
Outro dia ao encontrar um amigo no banco (local aliás, que nos obriga depositar jorros de horas para resolver qualquer pífio problema) ficou totalmente confuso porque eu aproveitava aquele tempo de espera para escrever uma carta. “Você é estranho.” Sentenciou-me ele. Nesse mundo onde toda escrita e leitura ocorrem on line, quase sempre de péssima qualidade, não há muito espaço para leituras e escritas no mundo real. Por que escrever uma carta quando um email, mensagem em rede social ou uma ligação resolveriam a questão rapidamente? Os porquês eu não sei, mas posso dar algumas boas pistas.
O que não sei é explicar. Uma carta é sempre um presente tão pessoal e íntimo que a letra da pessoa que nos envia tem sempre sua voz quando a lemos. Os sentimentos de quem nos escreveu talvez não existam mais quando passamos os olhos nas linhas manuscritas, afinal, foram escritas dias ou semanas antes de chegar até nós.
Que mal faz se essa pessoa não está mais sentindo a angústia, ou alegria que lemos? Nenhum! Que importa se essa carta é como a estrela que juramos ver na noite bela, quando na verdade já se apagou há muitos e muitos anos e o que vemos é sua luz que ainda viaja? Importa é saber que a pessoa quis que soubéssemos o que se passa(va) em sua alma. Fez tanta questão, que para escrever dispôs-se a escolher um local tranquilo, uma boa caneta, separou um tempo, organizou as ideias em meio ao turbilhão de sentimentos que a rodeava, acalmou sua alma, escreveu linhas sobre linhas, palavras após palavras, para que em seguida, revisasse o texto, reescrevesse com a melhor letra possível (quer nos impressionar), tudo isso sem ser tocado pelos ventos da pressa, sentindo apenas a leve brisa da paciência, colocou em envelope, esperou na fila da agência dos correios para que depois de longa viagem, nossos olhos brilhassem com esse papel simples, manuscrito, humano ao ler com a voz de seu emissor essas palavras sempre breves – não importando o quão extensa seja a carta.
Temos cada vez menos tempo. O domingo se lança sobre a noite de sábado. A segunda chutando as portas da semana seguinte grita urgência. A quarta é empurrada pela sexta. E assim as breves flores de maio murcham num precipitado agosto. Não escrevemos nem lemos mais cartas.
Escrevamos, escrevamos pois meus amigos, escrevamos cartas cálidas, cartas longas e cheias de sentimentos. Sentimentos que não teremos mais amanhã porque seremos sábios. Escrevamos para aquela nossa tia religiosa que mora longe, escrevamos – secretamente – para aquele nosso amor que já se casou e lamentamos que não foi conosco. Escrevamos para a criança doente que mora no final da rua, mandemos com a carta uma linda caixa de bombons. Escrevamos para aquele nosso amigo chato, durão, distante mas acima de tudo leal, e que haja convite para beber uma cerveja. Escrevamos para aquele amor incurável e perturbador, mesmo que não entreguemos a carta… Escrevamos que nossa vida é breve, e essa “correria” a que nos entregamos (ou nos entregam) é vã. Afinal, restarão apenas poucos amigos, uma casa simples, uma porção de móveis e um punhado de cartas no fundo de uma gaveta que se abrirá cada vez menos.
Jefrson Sartori