Dia 19 de abril é nacionalmente reconhecido como o Dia do índio, instituído pelo presidente Getúlio Vargas, através do Decreto-lei 5.540, de 1940, como uma data de reflexão sobre os valores culturais dos povos indígenas e a importância da preservação e respeito a esses valores.
Esta data foi proposta pelas lideranças indígenas do continente presentes no I Congresso Indigenista Interamericano, realizado no México, em 1940, onde pela primeira vez se realizou o debate internacional da necessidade de respeito aos direitos destes povos tradicionais e do respeito de suas ancestralidades e culturas, bem como promoveu a criação do Instituto Indigenista Interamericano, também sediado no México, que tem como objetivo discutir, zelar e estabelecer, juntos aos países americanos, direitos aos povos indígenas.
O Brasil, no primeiro momento, não participou da construção destas disfunções, porém veio a aderir aquilo que foi discutido neste Congresso, após interferência do Marechal Cândido Rondon junto ao governo federal, descrevendo a necessidade de promover políticas públicas voltadas a estes povos.
Embora o governo federal tenha instituído esta data em 1940, a descrição de direitos efetivos aos indígenas somente correu bem depois vários anos, com o estabelecimento do Estatuto do Índio, descrevendo políticas de proteção das populações indígenas a serem desenvolvidas pela FUNAI – Fundação Nacional do Índio, criada em dezembro de 1967, pela Lei nº 5371.
Mas somente com a Constituição Federal de 1988, devidamente influenciada pelas convenções da OIT (Organização Internacional do Trabalho) sobre direitos dos povos indígenas e o início das negociações das convenções da OEA (Organização dos Estados Americanos) sobre direitos indígenas, que a nossa ordem constitucional garantiu a plenitude de direitos a estes povos, descrevendo a necessidade de respeito ao multiculturalismo e a necessidade de respeito a uma sociedade plural.
Foram garantidos os direitos a proteção destes povos, o direito ao uso das terras que são reconhecidas como terras indígenas, que são patrimônio da União, mas vinculadas a povos específicos que destas podem gozar e usufruir. Ainda, foi estabelecido o direito à manutenção de suas culturas e ancestralidades, devendo o ordenamento jurídico promover políticas necessárias a manutenção destas culturalidades.
Ocorre que este já não é a melhor perspectiva de direito destes povos, já que o novo constitucionalismo latino-americano vem trazendo ao mundo jurídico a ideia do Bem Viver, a partir do uso da expressão sumak kawsay, usada pela língua quéchua, tendo aparecido nas Constituições realizadas em países latino-americano, durante a década passada, onde tais normas tratam da questão da relação estabelecida entre as suas sociedades e a natureza, prezando pela atenção do bem-estar natural como meio equilibrado de desenvolvimento. Estas normas passam a considerar os direitos inerentes destes povos, já que seus Estados passam a ser considerados como estados plurinacionais.
Partindo de um pensamento que tem a natureza como sujeito de direitos, tais ideais buscam a implementação de um certo bem de vida, onde a população possa “viver em um ambiente são e ecologicamente equilibrado, que garanta sustentabilidade e bem viver.” (EQUADOR, 2008) A natureza passa a ser vista não somente como coisa sujeita à apropriação, mas como ente personalizado, devendo o desenvolvimento social pautar-se pela sua adequação aos interesses gerais desta nova personalidade, que sempre buscará a sustentabilidade com meio de progresso, garantindo a vida, o equilíbrio do meio ambiente e a biodiversidade.
Tal pensamento parte da busca de uma nova expressão do pensamento jurídico, um pensamento do Sul, latino-americano, onde este descreve a necessidade do desenvolvimento do direito a partir de um marco latino-americano, livrando-se do pensamento colonialista imposto pelo do norte do globo terrestre, de forma a estabelecer um pensamento descolonial. Com esta interação do pensamento de descolonialidade e a sua interação com a ideia de Bem Viver, onde o ser humano se conecta com a natureza, agindo socialmente integrado ao seu ambiente local, é possível se conectar tais pensamentos diretamente a uma ideia de uma nova concepção de justiça.
Tudo isso decorre da necessidade de se dar voz a estes povos, de forma que estes possam expressar as suas culturalidades, identidades e ancestralidades nos seus modus vivendi, como também para externar a toda sociedade na qual estão inseridos tais pensamentos, de forma que as institucionalidades não sufoquem as cosmovisões manifestadas pelos indígenas no exercício de suas tradições.
Assim, necessária a celebração deste dia para que possamos comemorar estes direitos já concedidos aos indígenas, mas também para chamar a atenção à sociedade da necessidade de implementação dos direitos já conquistados e da conquista de outros direitos para os índios, para que estes continuem a expressar a suas culturas e tradições, usufruindo de suas terras e locais ancestrais, para possam sempre se identificar como Índios, expressando o seu Bem viver.
Sobre o autor:
Advogado. Doutorando em Direito pela UNESA/RJ. Mestre em História pela PUC/RS e Mestre em D. Internacional pela UAA/PY. Especialista em Direito Processual Civil pela FARO – Faculdade de Rondônia e em D. Processual Penal pela ULBRA/RS. Professor de Hermenêutica Jurídica e D. Internacional da FARO e da FCR – Faculdade Católica de Rondônia. Membro do Instituto de Direito Processual de Rondônia – IDPR. Membro da ABDI – Academia Brasileira de Direito Internacional. Ex-Secretário Geral Adjunto e Ex-Ouvidor Geral da OAB/RO. Ex-Presidente da Comissão de Ensino Jurídico da OAB/RO.