O acesso gradual ao aborto no Chile corre o risco de sofrer uma reversão drástica devido ao avanço do candidato de extrema-direita José Antonio Kast no segundo turno das eleições presidenciais, em dezembro. Kast, que é um católico fervoroso e pai de nove filhos, manifesta oposição até mesmo à pílula do dia seguinte.
O aborto no Chile foi totalmente proibido durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990) e só foi parcialmente descriminalizado em 2017. Atualmente, ele é legalizado apenas em três casos (as “três exceções”):
Risco à vida da mulher.
Inviabilidade fetal.
Estupro.
Kast tem a intenção de revogar essas exceções existentes e já tentou bloquear uma proposta do governo de esquerda que buscava flexibilizar ainda mais as restrições. Tais medidas representariam o maior retrocesso do país em relação aos direitos reprodutivos em décadas.
Ameaça Iminente e Opinião Pública
A ascensão da coligação de Kast, impulsionada pela ansiedade social em relação à criminalidade e à imigração, fortaleceu sua influência no legislativo.
Catalina Calderón, do Centro para a Igualdade das Mulheres, alerta para a “ameaça iminente aos direitos reprodutivos de meninas e mulheres no Chile, colocando em risco o acesso a contraceptivos, à pílula do dia seguinte e ao aborto”.
Apesar da força política de Kast, as pesquisas indicam que a opinião pública apoia, de forma esmagadora, a manutenção dos direitos ao aborto existentes. Muitos eleitores, como a professora Abigail Mariqueo, de 21 anos, apoiam os direitos reprodutivos, mas consideram que a segurança deve ser a prioridade imediata.
No segundo turno, em 14 de dezembro, Kast enfrentará a esquerdista Jeannette Jara, que foi a mais votada no primeiro turno.
Aborto na América Latina e Táticas de Restrição
Caso Kast avance com a revogação do direito ao aborto, o Chile se juntará a outros governos latino-americanos que têm restringido o acesso ao procedimento. Na região, apenas alguns países permitem o aborto, e o acesso continua dificultado por cortes de financiamento e reações negativas.
Kast tem centrado seu discurso na segurança, mas em debates anteriores afirmou: “Eu defendo a vida desde a concepção até a morte natural”, e se opôs à venda da pílula do dia seguinte.
Claudia Sarmiento, especialista em direito constitucional, aponta que mesmo que Kast não altere a lei diretamente, ele e sua coalizão podem atacar os direitos reprodutivos através de cortes orçamentários em programas médicos e contraceptivos financiados pelo Estado. O orçamento é controlado pelo Executivo e pode mascarar uma intenção específica de restringir esses direitos.
Ativistas ressaltam que, mesmo com a legalização em três casos, o acesso continua difícil. Muitas mulheres evitam o sistema estatal por medo de problemas legais ou represálias sociais, recorrendo a procedimentos clandestinos. O Ministério da Saúde do Chile registrou pouco mais de 6.600 abortos desde a flexibilização da lei no final de 2017.











































