Sofia tem 9 anos e quer aprender a ler e escrever. Um objetivo que teve de ser adiado em decorrência da pandemia de Covid-19. Sofia tem acesso a bons colégios em Teresina (PI) desde os cinco anos, mas ainda assim não consegue codificar e decodificar as letras devido à dislexia.
O transtorno de aprendizagem de origem neurobiológica atinge de 5% a 17% da população mundial, de acordo com a Associação Internacional da Dislexia.
“Na fase de alfabetização, ela começou a notar a evolução dos colegas e se sentia mal. Sofia passou a me perguntar ‘por que eu sou diferente dos outros?'. Com o tempo, isso gerou ansiedade nela. Ela não podia ver as letras que ficava mal”, revela Juliany Orengo, mãe da aluna.
Diante da dificuldade de aprendizado, a aversão é um comportamento comum. De acordo com a Associação Brasileira de Dislexia, o aluno com o transtorno, principalmente durante a alfabetização, tende a evitar ou a reduzir sua experiência de leitura, atitude que interfere no enriquecimento do vocabulário e na aquisição de novos conhecimentos em geral.
Segundo Luiz Gustavo Varejão Simi, psicólogo e coordenador de projetos da Associação Brasileira de Dislexia, um dos métodos mais indicados para a alfabetização de crianças disléxicas é o fônico, que é baseado no reconhecimento do fonema (som) de cada letra – processo que foi impactado pela transferência do ensino presencial ao remoto durante a pandemia de Covid-19.
“No momento da alfabetização as crianças precisam das pistas dos órgãos fonoarticulatórios. Por esta razão, se faz necessária a retirada da máscara e do acompanhamento próximo e presencial em prol do sucesso da alfabetização com correções, estimulações e com apresentações de modelos a serem seguidos”, explica Simi.
Além do mais, os educadores enfrentam outros desafios, que já estavam presentes no ensino presencial, mas que se agravaram com a transferência para o meio digital. São eles: manter a atenção e interesse das crianças, acompanhar a escrita e seus erros e a realização de avaliações on-line.
Na ausência do professor, os pais se tornam encarregados de mais essa tarefa. Infelizmente, nem sempre eles estão disponíveis o tempo todo. Foi o que aconteceu com Juliany, mãe de Sofia.
Ela trabalha como assessora jurídica na companhia de águas do Piauí e, mesmo durante os períodos mais rígidos da pandemia, teve que trabalhar de forma presencial.
“Eu não parei de ir ao trabalho e, para ser honesta, por isso ela quase não assistiu as aulas on-line ano passado. Sozinha ela não consegue acompanhar o ritmo da professora”, revela Juliany.
Segundo Juliany, esse foi um período muito difícil para as duas. Enquanto Sofia temia ficar ainda mais atrás dos colegas de turma no aprendizado, Juliany se sentia mal por não poder acompanhar as aulas com a filha.
“Eu não tinha como acompanhá-la nos estudos na frente de um computador o dia todo porque eu trabalho. Eu teria que escolher entre Sofia e meu trabalho e eu dependo do meu trabalho, inclusive para pagar todas as terapias da Sofia”, conta Juliany.
Além do acompanhamento com o neurologista pediátrico que ajudou a diagnosticar Sofia, ela também é assistida por uma psicóloga para ajudá-la a lidar com o medo de não aprender a ler, uma psicopedagoga para ajudá-la na leitura e uma fonoaudióloga que a acompanha no desenvolvimento da fala.
Este ano, Sofia voltou a frequentar a escola.
“Eu arrisquei por medo de ela regressar tudo que ela evoluiu até agora”, confessa a mãe.
Dislexia e o ensino público
A realidade de Sofia, infelizmente, não é igual a de muitas crianças disléxicas – muitas delas que ainda nem foram diagnosticadas.
A maioria dos professores do ensino público estão sobrecarregados com turmas volumosas, sem assistência e sem recursos suficientes para trabalhar diferentes abordagens de ensino.
Os alunos também possuem limitações. A renda é um fator crucial para avaliar o desempenho dos alunos, uma vez que impacta na disponibilidade de recursos para o estudo (livros, celulares ou computadores) e para o acesso a um espaço adequado, silencioso, iluminado e conectado à internet.
Privilégios que nem todos podem usufruir. O desemprego no Brasil atingiu a taxa recorde de 14,7% no 1º trimestre de 2021, em meio aos desafios impostos pela piora da pandemia no país, segundo divulgou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“Nas famílias de classe média, pode ser possível que a criança tenha uma sala separada ou um quarto separado para fazer essa aula remota, mas a gente sabe que muitas vezes as famílias dividem o mesmo cômodo – quem dirá ter todos os recursos necessários”, aponta Sabrina Pani, doutora em psicologia escolar.
Dicas para o ensino e a aprendizagem durante a pandemia:
Especialistas recomendam que os pais e alunos tenham persistência e invistam em atividades lúdicas, como músicas ou desenhos, que despertam e propiciam o prazer em aprender;
Caso a família não tenha recursos, os pais podem buscar o conteúdo e tarefas na escola;
O local onde a criança irá realizar às aulas deve ser bem iluminado e silencioso, com a menor quantidade de estímulos sonoros ou visuais possível;
Os professores devem evitar aulas muito longas para que as crianças não percam o foco e a atenção;
Professores e/ou pais devem realizar exercícios sonoros de repetição das vogais, falando uma de cada vez;
Repetição dos exercícios sonoros diariamente para promover a fixação;
É preciso estimular a leitura. "Leve as crianças à livraria, leia para as crianças, faça com que elas desenvolvam prazer por histórias", afirma Maria Ângela Nogueira Nico, fonoaudióloga e presidente da Associação Brasileira de Dislexia (ABD).
Diagnóstico de dislexia
O diagnóstico de dislexia é complexo e deve ser feito por uma equipe multidisciplinar composta por fonoaudiólogo, psicólogo, psicopedagogo, terapeuta ocupacional, psiquiatra e neurologista.
E, embora o transtorno seja caracterizado pela dificuldade no aprendizado da escrita e da leitura, apresentar apenas essas duas características não qualifica o quadro clínico de um indivíduo como disléxico.
“Importante falar: a pessoa nasce e morre com esse transtorno, ela não desenvolve. Não é uma doença, portanto não tem cura e também não está relacionada a um comprometimento ou déficit da capacidade intelectual do indivíduo, explica Nico.
Segundo ela, quanto mais cedo for feito o diagnóstico, melhor será para a adaptação dos métodos de aprendizagem e, consequentemente, da vida dessa pessoa.
“O adolescente e o adulto, quando não começaram o tratamento na infância, chegam arrasados emocionalmente, normalmente com sintomas de depressão, ansiedade e problemas de autoestima. Por isso, quanto antes for dado o diagnóstico, melhor. Porque mais rápido essa pessoa encontrará as ferramentas corretas para superar suas barreiras”, afirma Nico.