Os dados da inflação oficial brasileira, divulgados nesta quinta-feira (10) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no Rio de Janeiro, revelam um marco preocupante: o país estourou o teto da meta de inflação pela primeira vez desde que o modelo de apuração do resultado acumulado foi modificado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) no início deste ano. Antes da mudança, a meta já havia sido superada em oito ocasiões.
A meta de inflação estabelecida pelo CMN é de 3%, com uma tolerância de 1,5 ponto percentual (p.p.) para mais ou para menos, o que define um teto de 4,5%. A regra prevê que a inflação acumulada não pode superar esse patamar por seis meses consecutivos. Com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) registrando 0,24% em junho, a soma de 5,35% em 12 meses foi a sexta consecutiva acima do limite de 4,5%.
Desempenho do IPCA e Mudança no Regime de Metas
A tabela abaixo ilustra o IPCA acumulado nos últimos 12 meses, evidenciando a persistência acima do teto:
Janeiro | 4,56% |
Fevereiro | 5,06% |
Março | 5,48% |
Abril | 5,53% |
Maio | 5,32% |
Junho | 5,35% |
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Dentro do IPCA de 12 meses apurado em junho, o grupo de produtos e serviços que mais contribuiu para a alta foi o de alimentos e bebidas, com uma elevação de 6,66%.
O regime de metas de inflação, instaurado no Brasil em 1999, funcionava até 2024 considerando apenas o resultado fechado de cada ano, de janeiro a dezembro. Dessa forma, a meta só era considerada estourada se o IPCA chegasse em dezembro fora do intervalo de tolerância. Em 2023, uma resolução do CMN determinou que, a partir de 2025, a meta passaria a ser apurada por um padrão internacional conhecido como “meta contínua”. Essa nova metodologia faz com que a verificação se desloque ao longo do tempo, não se restringindo mais ao mês de dezembro de cada ano.
O Conselho Monetário Nacional (CMN) é composto pelos ministros da Fazenda, do Planejamento e o presidente do Banco Central (BC), e é responsabilidade do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central perseguir a meta. Segundo o BC, a utilização da meta contínua evita a caracterização de descumprimento em situações de variações temporárias na inflação, como choques nos preços de alimentos ou petróleo, que podem fazer com que a inflação fique fora do intervalo de tolerância por apenas alguns meses.
Implicações e Histórico de Descumprimento
Cada vez que o país estoura a meta de inflação, o presidente do Banco Central (BC) deve divulgar uma carta aberta ao ministro da Fazenda, que preside o CMN. Nesta carta, devem constar a descrição detalhada das causas do descumprimento, as providências para assegurar o retorno da inflação aos limites estabelecidos e o prazo no qual se espera que as providências produzam efeito. O histórico de cumprimento e as cartas abertas podem ser consultados no site do BC.
Além do primeiro semestre de 2025, a inflação ficou fora do intervalo de tolerância nos seguintes anos: 2001, 2002, 2003, 2015, 2017, 2021, 2022 e 2024. Dos nove episódios de estouro, apenas em 2017 a inflação ficou abaixo do piso, quando o IPCA terminou o ano em 2,95% (sendo o piso determinado de 3%). Em 2002, quando o teto da meta era 5,5%, o IPCA alcançou 12,53%, o maior desde a implantação do regime monetário. Em 2021, ano com efeitos da pandemia, chegou a 10,06%.
A Importância da Meta de Inflação e o Papel dos Juros
De acordo com o Banco Central, o regime de metas de inflação é um conjunto de procedimentos que visa garantir a estabilidade de preços no país. “A meta confere maior segurança sobre os rumos da política monetária, mostrando para a sociedade, de forma transparente, o compromisso do BC com a estabilidade de preços”, afirma o BC. A previsibilidade que a meta oferece “melhora o planejamento das famílias, empresas e governo”.
A meta, por um lado, estabelece um teto para a subida de preços, mas por outro, também determina que a inflação não seja excessivamente baixa. Uma inflação muito baixa ou a deflação (queda de preços) pode ser prejudicial para a economia, pois, se constante, cria um ciclo vicioso que desestimula o consumo – as pessoas podem adiar compras na expectativa de que os preços caiam ainda mais – impactando negativamente o crescimento econômico e a geração de empregos.
A principal ferramenta do BC para perseguir a inflação é a taxa básica de juros da economia, a Selic. A elevação da taxa encarece empréstimos – tanto para pessoas físicas quanto para empresas – o que freia a atividade econômica e tem potencial para conter o aumento de preços. No entanto, essa medida também desestimula investimentos e a criação de emprego e renda.
A Selic é definida pelo Copom em reuniões que ocorrem a cada 45 dias aproximadamente. Atualmente, a Selic está em 15% ao ano, o maior ponto da trajetória de alta iniciada em setembro de 2024. O presidente do BC, Gabriel Galípolo, tem afirmado que a Selic deve permanecer alta por tempo prolongado, até que a inflação seja empurrada para dentro da meta estabelecida.