A Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (EFM-M) comemora neste dia 1º de agosto 113 anos e ganha um novo e aguardado capítulo. De grande importância como patrimônio histórico e símbolo do surgimento de um povo que formou a capital de Rondônia no meio da selva amazônica, a Prefeitura de Porto Velho está empenhada em devolver à população a Locomotiva nº 18 (chamada de Barão do Rio Branco) da lendária ferrovia.

Registros históricos indicam que a máquina foi fabricada por uma empresa alemã em 1936, no início do século XX e colocada em circulação na EFM-M em 1950, ligando Porto Velho a Guajará-Mirim por 366 quilômetros de trilhos, promovendo também a integração com as pequenas comunidades ao longo do trajeto.
“A Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, conhecida mundialmente como uma das obras mais desafiadoras do século XX, foi construída entre trilhos de suor e superação. E podemos afirmar que a Locomotiva 18 foi testemunha dessa epopeia. Transportou cargas, conectou comunidades e fez ecoar por entre as matas o som do desenvolvimento em uma das regiões mais isoladas do Brasil, na época”, destacou o prefeito Léo Moraes.
Apesar de não estar em circulação, a locomotiva, assim como as demais, simboliza força, resistência contra o abandono e o tempo. Ela tem grande relevância histórica e cultural para a capital rondoniense e até mesmo para o Brasil. Atualmente a máquina se encontra no complexo da Madeira-Mamoré em Porto Velho, passando por um processo de restauração que foi determinado pelo atual gestor do município.
Embora não tenha sido a primeira a circular na ferrovia, a Locomotiva 18 é uma das mais emblemáticas do acervo da EFM-M. Tanto quanto as outras que por aqui circularam, sua estrutura foi forjada para enfrentar os desafios da selva. Além disso, representa o espírito pioneiro que moveu a construção da ferrovia, dando início ao surgimento de Porto Velho e, posteriormente, do estado de Rondônia.

O titular da Secretaria Municipal de Turismo, Esporte e Lazer (Semtel), Paulo Moraes Júnior, disse que o objetivo da Prefeitura de Porto Velho é entregar um turismo de experiência, tendo a locomotiva como atração principal e não somente para contemplação.
“Os caminhos até a execução e plena atividade dos passeios são longos, mas todos os meios legais estão andando internamente, respeitando o patrimônio histórico e com o trabalho técnico da Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF) a nosso favor. A memória da construção da nossa ferrovia é pulsante em nossa capital, por isso, queremos devolver ao porto-velhense o orgulho em pertencer a esta terra, bem como apresentar ao turista o que temos de melhor”, Acrescentou o secretário.
Quanto aos trâmites legais para a restauração da Locomotiva 18, Paulo Moraes disse que o processo já está na Procuradoria Geral do Município (PGM). “Paralelo isso, também estamos conversando com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan/RO), que nos pediu algumas peças técnicas complementares, como o cronograma de trabalho e a identificação do restaurador responsável, todos já repassados pela ABPF para uma nova análise por parte do Iphan/RO”, completou.
TRANSPORTE DE BORRACHA

A ferrovia foi construída para escoar a produção de borracha, contornando trechos do Rio Madeira com cachoeiras e pedrais que dificultavam a navegação. O trecho total da ferrovia tinha 366 quilômetros. A grande obra ficou conhecida como “Ferrovia do Diabo”, por causa dos muitos desafios durante sua construção, como as doenças tropicais e condições de trabalho precárias, resultando em um grande número de mortos.
O historiador e secretário executivo de Turismo, Aleks Palitot, pesquisa há muito tempo o passado rondoniense. Ele explica que a locomotiva tem relação direta com a colonização da cidade. Palitot gosta de destacar a imponência do maquinário que foi colocada no meio da Amazônia em um período onde a estrutura de logística era complexa.
“A locomotiva 18 é procedente da Rede de Viação Paraná-Santa Catarina e fabricada pela empresa alemã L. Schwartzkopf em 1936. Sua bitola é de 1,00m e sua configuração de rodas é 2-8-2 e o seu diâmetro dos cilindros 55cm. Seu cumprimento é de 15,20m e recebeu o nome de locomotiva Barão do Rio Branco em homenagem ao diplomata brasileiro que convenceu o governo boliviano na assinatura do Tratado de Petrópolis que deu origem a construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré e o surgimento de Porto Velho”.
MEMÓRIA VALIOSA

Para o professor e historiador Célio Leandro, há uma grande expectativa e ansiedade não só da população em geral, mas especialmente por historiadores e professores pelo retorno da Locomotiva 18.
“Essa locomotiva desempenhou um papel crucial no transporte de cargas, como o látex, e também no turismo, sendo até hoje lembrada com carinho por sua história e impacto na região. O retorno da locomotiva é visto como a revitalização de uma memória valiosa”, diz o historiador.
Leandro ainda relembra o funcionamento da Locomotiva 18 no período de passeios turísticos durante os anos de 1980 e 1990, no trecho entre o complexo da EFM-M e a comunidade de Santo Antônio. “Há uma memória muito positiva da nossa sociedade sobre essa locomotiva. Ela não só serviu no auge da Madeira-Mamoré, transportando cargas e passageiros até Guajará-Mirim, mas também no período de lazer”, completou.
BARBADIANO

Com quase 60 anos dedicados à Madeira-Mamoré, Lorde Brown, hoje com 77 anos, trabalhou como foguista da lendária Locomotiva 18. Ele descreve com orgulho o papel essencial que exercia ao acender o fogo horas antes da partida do trem, garantindo que a máquina estivesse pronta para puxar os vagões com toda sua força e imponência.
“Eu morei aqui dentro”, diz emocionado, revelando o cuidado com que vigiava o patrimônio histórico para evitar furtos e preservar a memória de um tempo que ele nunca deixou para trás. Brown é descendente direto de ferroviários que vieram de Barbados (país insular soberano nas Pequenas Antilhas, na América Central, o mais oriental do Caribe), como seu avô Griffith Brown e seu pai, também ferroviário. A estrada de ferro está no seu sangue e na alma.

Lord reconhece a iniciativa da atual gestão municipal de restaurar a Locomotiva 18 e manter viva a história do complexo ferroviário. “Eu tenho o maior respeito por esse prefeito. Enquanto muitos só prometeram, ele está fazendo acontecer”, afirmou com firmeza e brilho nos olhos.
Para Brown, essa restauração não é apenas ferro e engrenagens, é memória, identidade e amor por um passado que moldou a cidade. “O meu sentimento não é só pela locomotiva, é pelo complexo todo”, comentou.
A sirene que ainda ressoa no local, para ele, é um símbolo solitário de um tempo glorioso. Mas agora, com a retomada do projeto, sente que a história está finalmente sendo respeitada e renascendo diante de seus olhos.
LITORINA

Filho de seringueiro, Antônio Moisés Cavalcante é mais do que um nome ligado à Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Ele também é parte viva dessa história, assim como Lord Brown. Condutor de litorina desde 1982, Moisés carrega na memória e no coração as lembranças de nomes e rostos que construíram o passado ferroviário de Rondônia com muita luta e sacrifício.
Natural de Santo Antônio, ele relembra com emoção os dias em que recebia a locomotiva lotada de passageiros, citando com carinho antigos companheiros de jornada, pelos quais carrega grande afeto e respeito.

Ao falar sobre a perspectiva da restauração da Locomotiva 18, demonstra um brilho todo especial no olhar. Para ele, o feito é mais do que um projeto, é o renascimento de um símbolo e da própria identidade da população de Porto Velho. “É muita emoção”, diz com a voz embargada, expressando a felicidade de ver a possibilidade de o trem voltar a percorrer parte dos trilhos novamente.
“Uma cidade e um estado que nasceu por causa de um trem, não ter o trem funcionando é quase um desrespeito com sua própria história”, afirma. Hoje, diante dessa esperança, Moisés sente-se realizado. Para ele e para muitos outros que trabalharam na EFM-M ou valorizam a sua importância histórica, o retorno do trem é como se fosse o reencontro com o que nunca deixou de ser parte essencial de Porto Velho, é a concretização de um sonho.
RESTAURAÇÃO
Consciente de sua importância cultural, histórica e turística, a Prefeitura de Porto Velho está mobilizando todos os esforços técnicos e institucionais para restaurar a Locomotiva 18 e permitir que ela volte a circular.

A ação integra um plano mais amplo com a revitalização do Complexo Madeira-Mamoré, visando preservar a memória ferroviária, impulsionar o turismo histórico da cidade e fortalecer o senso de pertencimento da população.
“A Locomotiva 18 é mais do que uma peça antiga; ela é parte viva da nossa história. Estamos determinados a vê-la novamente em movimento, representando o orgulho e a força do povo de Porto Velho”, afirmou o prefeito Léo Moraes.
A restauração está sendo conduzida por integrantes da equipe técnica da Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF). Em maio último, os profissionais deram início a mais uma fase dos procedimentos de vistoria e confecção de relatório para a viabilidade da reativação da lendária Locomotiva 18.

Os profissionais da ABPF foram mobilizados pela Prefeitura de Porto Velho, que busca todos os meios possíveis para o resgate desse patrimônio que faz parte diretamente da construção e evolução da capital rondoniense e de todo estado.
Depois de avaliarem a máquina por completo, o diretor-presidente da ABPF, Marlon Ilg, afirmou na ocasião que é possível restaurar a locomotiva, mas ele vai apresentar um relatório à Prefeitura indicando detalhadamente o que precisa ser feito para colocar o trem para andar novamente.
“Com essa iniciativa, a Prefeitura reafirma o compromisso com a preservação da memória local e o fortalecimento da identidade de Porto Velho, garantindo que símbolos como a Locomotiva 18 continuem inspirando gerações futuras”, finalizou Léo Moraes.