Estando localizado a 7 km de Porto Velho, encontra-se a primeira cachoeira do Rio Madeira, Santo Antônio, como sendo o primeiro obstáculo à livre navegação dede a foz do rio Amazonas. Após essa primeira cachoeira, encontram-se sucessivas outras vinte e duas, saltos, cachoeiras e rápidos ao logo de aproximadamente 420 km até chegar em Guajará Mirim.
Desde os obstáculos ofertados pela região, da navegação, doenças tropicais a ataques de índios, Santo Antônio hoje é nada mais do que um nome, um lugar, um local, pois existem ali mais do que história, existem memórias em vez de casas de palhas. Esse local foi muito conhecido nos documentos históricos, desde o século XVIII como afirma Ferreira (1961) em sua obra Nas Selvas Amazonas:
“No silêncio ambiente, custa crer que este local, no século passado e no começo do presente, tivesse sido, por vezes acampamento de centenas e milhares de pessoas, procurando iniciar a construção de uma ferrovia, falando diversas línguas, bebendo finíssimas bebidas europeias, todas sofrendo, encostando-se febris aos troncos das árvores, caindo exangues, morrendo no interior das palhoças”.
Aos poucos Santo Antônio foi sendo abandonado. Nesse momento suas lembranças são retratadas nas estrofes da música cantada por Zezinho Maranhão (Porto, Velho Porto):
As casas ruíram, a vegetação foi retomando seu espaço, ficando somente algumas pessoas que ousaram em resistir em permanecer no local, como é o caso do nosso personagem, o Velho do porto.
Estando no coração de um rio caudaloso, onde as águas se confundem com as memórias do tempo, onde expedições e expedicionários tomaram de registros suas potencialidades de alta destruição. Ficara ali em Santo Antônio um porto abandonado. Não um porto qualquer, mas um daqueles que carregam histórias nos troncos de suas palafitas e nas cordas encharcadas dos barcos que vão e vêm. Um porto de chegadas e partidas, tanto de cargas quanto de pessoas, de promessas feitas ao vento e segredos murmurados às marés.
Com o passar dos anos, a história local ainda sustenta a ideia de que em Santo Antônio morou um “Velho” que costumava empilhar lenha para vender aos vapores.
Talvez seu nome fosse João, José ou até mesmo “Pimentel” quem poderia saber. Sentado sempre no mesmo banco de madeira de frente para o rio, o seu rosto era marcado por rugas que pareciam mapas de tempos distantes. Ele não tinha nome para os que passavam, apenas o título que o tempo lhe dera: o Velho do porto.
E falando em Porto, Zezinho Maranhão em suas melodias já cantava:
Até o presente, não se tem uma pesquisa para saber sobre a existência desse senhor, ou se de fato existiu, o que sabemos são histórias orais repassadas por gerações, deixando sempre no ar a especulação de sua existência.
Diziam que esse “Velho” do porto sabia tudo sobre as águas do Madeira. Possuía a leitura do tempo cravado em sua memória. Sabia das tempestades que vinham sem aviso, dos peixes que dançavam em cardumes e dos viajantes que partiam sem olhar para trás. Alguns diziam até que o “Velho” era parte do próprio porto, como se, um dia, tivesse sido cravado ou esculpido ali pelo destino.
O velho não falava muito, apenas cortava lenhas, empilhava para vender aos vapores. A maior parte do tempo, ficava ali sentado em seu banco observando o tempo. Seus olhos acompanhavam os barcos que se afastavam no horizonte, como se carregassem pedaços de sua própria história. E, quando a noite chegava, sob a luz de sua lamparina ele continuava a ficar fitando o reflexo das estrelas no rio, como quem procura respostas em um espelho de águas turvas.
Certa vez, sua humildade e simplicidade chamou atenção de um garoto inglês que ao se aproximar lhe perguntou:
— O que o senhor espera tanto?
O “Velho” sorriu, um sorriso cheio de marés passadas, e respondeu:
— Garoto, espero o que todos esperam. Que a vida nos traga de volta tudo aquilo que um dia partiu.
Desta forma, a memória do “Velho” do porto ganhará novas gerações como sendo partidas e retornos. Já o porto continua a ser porto, e o velho continuará para sempre a forma de como se deu o nome da nossa amada cidade, Porto Velho.
O Porto do Velho se eternizou na memória daqueles que guardam em suas lembranças as mais belas histórias registradas nesse Porto. Parceiros de uma eternidade silenciosa, onde apenas o rio sabia e sabe até hoje seus infinitos segredos.