Às margens da rodovia BR-364, que interliga o Brasil ao Oceano Pacífico, um prédio abandonado, na saída de Porto Velho, intriga quem passa pela região. “Não sei ao certo do que se trata, mas é um prédio bonito e deve ter custado uma nota”.

No endereço estratégico da única capital brasileira que faz divisa com um país, no caso, o Estado Plurinacional da Bolívia, o empreendimento foi erguido para ser a nova sede da 21ª Superintendência Regional da Polícia Rodoviária Federal (PRF-RO). Do local, as funções ligadas ao administrativo deveriam estar em andamento. Na prática, essa é uma realidade que está longe de acontecer. Em 2018, após apresentar um suposto esquema de desvio de recursos públicos no processo licitatório, a Justiça Federal mandou embargar a obra até que as investigações fossem concluídas. “Deixa eu adivinhar. Corrupção?”, questiona o estudante.

Entre os crimes comprovados estavam o de peculato (quando há participação de servidor público), organização criminosa, superfaturamento para aquisição dos serviços empregados, além de dispensa irregular de licitação. Pasme! Até mesmo no projeto que objetivava o retorno da construção, os órgãos detectaram uma interferência que indicava a retomada das fraudes pela organização criminosa (Orcrim)).

No inquérito, apresentado no bojo das investigações, iniciadas a partir de 2014, por força conjunta da Polícia Federal (PF-RO), Ministério Público Federal (MPF/RO) e a Controladoria Geral da União (CGU/RO), a empresa contratada para ser uma espécie de pente-fino do projeto apontou que “dez itens apresentavam possíveis erros”, que em números alcançariam o montante desviado de R$ 1,1 milhão. Na época, a PF informou que o desfalque foi detectado “apenas em uma amostra de itens”.

No desenrolar da investigação, comprovou-se que um tentáculo da célula criminosa atuava na própria PRF-RO. Além do mais, de dentro da instituição partiam as ordens para que o projeto não fosse alterado, mesmo com a suspeita de fraude acontecendo. “Já na primeira medição da obra, a empresa Qualitá Projetos e Consultoria Ltda (CNPJ nº 10.393.111/0001-69), contratada pela PRF-RO para ser a fiscal do contrato, verificou que os serviços executados correspondiam a R$ 70 mil. No entanto, o valor aprovado pela comissão da PRF-RO para essa etapa da obra foi de R$ 263 mil, ou seja, uma quantia 300% superior ao realizado”, diz parte da informação extraída da página gov.br.

Com as evidências de fraude expostas na operação intitulada “Pare e Siga”, ocorrida em agosto de 2018, a Justiça não viu alternativa senão embargar a construção. O órgão também pediu o afastamento do ex-superintendente da PRF-RO, um servidor de carreira. Em março de 2014, após não atender ao pedido do então superintendente da PRF-RO para trocar o profissional que estaria “dificultando” a aprovação das medições, a Qualitá teve seu contrato rescindido. Após isso, nenhuma outra empresa foi contratada. Na época, a Polícia Federal informou que “o afastamento do ex-titular da pasta não se deu por conta dos desvios apurados na primeira fase da obra e sim para averiguação de irregularidades na contratação de empresas recentes para a segunda fase da construção que seria retomada”, enfatizou.
“SEM UTILIDADE, O COMPLEXO PROTAGONIZA, NOS DIAS DE HOJE, O MAIOR ‘ELEFANTE BRANCO’ DE RONDÔNIA”
O resultado da suspeita de usurpação do patrimônio público reflete hoje em uma megaestrutura abandonada em plena BR-364. Das vidraças que faziam parte da estética, poucas existem; outras foram quebradas.

Até o revestimento da cúpula central foi depenado. Luminárias e fiação, tudo já integrava os ambientes interiores, mas nada disso existe mais. Dos aparelhos de ar-condicionado, os condensadores só não foram levados por estarem fora do alcance da visão dos criminosos. O pátio, que conta com fonte e bosque, virou um cemitério para ônibus velhos.

Do prédio modelo construído para ser sede de uma das maiores e mais antigas instituições do Brasil, a PRF-RO, localizada entre a estrada do Areia Branca e a avenida Presidente Dutra, é hoje o cartão postal do mau gerenciamento dos recursos públicos. Sem utilidade, o complexo protagoniza, nos dias de hoje, o maior “elefante branco” de Rondônia. “Passo aqui todos os dias para ir para a Universidade. Essa conexão entre o saber e a corrupção é uma aula para nós, discentes da Unir. Classe do que jamais devemos fazer com o dinheiro público, do que jamais devemos ser como pessoas que têm a competência de usurpar a coisa alheia. É triste e vergonhoso ao mesmo tempo enxergar esse empreendimento na condição de completo abandono”, declara o estudante de Letras, J.N.K, que terá o nome preservado.

A reportagem procurou a Polícia Rodoviária Federal em Rondônia. O órgão explicou que, “inicialmente, a nova superintendência seria planejada para ser o centro operacional e logístico da PRF na Região Norte do Brasil, porém, mudanças ao longo dos anos inviabilizaram o projeto. Além disso, com as futuras mudanças previstas pelo Governo Federal, especialmente relacionadas ao trabalho remoto, tornou-se dispensável a necessidade de uma superintendência de tais dimensões”, disse.
No comunicado, o órgão também expôs a necessidade de se desfazer do empreendimento e que já teria informado da decisão ao Governo Federal. “A fim de garantir a melhor utilização do dinheiro público, a Polícia Rodoviária Federal informou à Secretaria de Patrimônio da União (SPU) em Rondônia sobre a possibilidade de a estrutura atual poder ser útil a um outro órgão público, visando o melhor aproveitamento da obra e evitando prejuízos ao erário”, declara.
E por fim, o comunicado esclarece que, “a gestão atual da PRF em Rondônia está comprometida em encontrar alternativas viáveis que contemplem as necessidades da sociedade, garantindo a eficiência na gestão dos bens públicos”.
Há seis anos, foi realizado um cálculo de quantos mais seriam precisos para terminar a obra, que no estágio seguia com 97% de conclusão. Descobriu-se que dos atuais R$ 21,4 milhões já investidos, outros R$ 15,1 milhões seriam necessários. Talvez isso revele o desinteresse da instituição de continuar com o empreendimento.