Na cosmogonialidade do cotidiano das populações tradicionais da Amazônia brasileira, o seringueiro no seu mundo transcendental aduba a sua alma identitária com o peculiar pertencimento apreendido no secular espaço de ação de sua ontológica e topofílica vivência fenomenal.
No simbólico e heterotópico mundo do lugar, o homem ribeirinho ou beiradeiro, constrói e reconstrói a sua singular alma cultural que na estesiante dimensão dos sentimentos material e imaterial, alça voo numa aguçada imaginação que o leva aos devaneios poetizantes de sua imaculada relação com a mãe terra.
Nessa terra singular e plural, o ente seringueiro aloja em seu ser uma diversidade cultural harmoniosa e deslumbrante que o faz impoluto e suntuoso na cotidianidade do seu espaço vivido. Um espaço vivido que também é intimamente ligado aos seus inseparáveis instrumentos de trabalho, destinados à extração do látex, tais como: O balde de flandre, a poronga, a faca de seringa, a cabrita de aço, a raspadeira, o saco de encauchado, o sarugo, a estopa, o sapato de seringa, dentre outros.
Enfim, já é madrugada, o seringueiro entra na boca da estrada, as seringueiras estão sangrando, as tigelinhas foram embutidas, o látex foi recolhido, os baldes estão abarrotados de leite, os cavacos esquentam o buião, começa e termina a defumação, chegou anoite, chegou o dia vindouro, os varadouros são percorridos até o barracão, não há saldo, mas mesmo assim, ele continua resistindo e carregando o fabuloso peso da mata.
Marquelino Santana é doutor em geografia, pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas, Modos de Vida e Culturas Amazônicas – Gepcultura/Unir e pesquisador do grupo de pesquisa Geografia Política, Território, Poder e Conflito da Universidade Estadual de Londrina.