O afrontoso ato de matar provoca o mais horripilante distanciamento entre a vida e o ser. Essa aversão ao outro, asfixia o direito à liberdade e se torna uma espécie de extirpação e alijamento aos valores benevolentes da alma humana.
Nesse cadafalso da consciência, o homem sobrevive imbricado num estágio inescrupuloso de belicosidade, ao tempo em que anuncia e deflagra um verdadeiro estado de guerra a natureza exuberante.
Mas os povos tradicionais da floresta não se renderam à dominação esdrúxula, e partiram para o enfrentamento contra os opressores, e dessa forma construíram os heroicos empates em defesa da Florestania amazônica.
O seringueiro não se rendeu, ele foi à luta, e de forma consciente conquistou o imaculado direito de continuar vivendo ao lado da mãe terra suntuosa. Com a sua inseparável poronga, o seringueiro tornou-se um ser sagradamente iluminado. Para o escritor acreano Raimundo Ferreira, a poronga é uma lamparina com armação para encaixar na cabeça de fabricação artesanal e feita de flandre. Para Pedro Ranzi, a poronga é uma lamparina que o seringueiro prende à cabeça quando sai para cortar a seringueira em plena madrugada.
O remanescente seringueiro continua lutando em busca de uma vida melhor, e continua amando e preservando o palco dos concertos florestais sob o canto protetor da mãe-d’água amazônica. Homem e mata são assim indissociáveis da cotidianidade da vida, e são indissociáveis das porongas da consciência.
Marquelino Santana é doutor em geografia, pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas, Modos de Vida e Culturas Amazônicas – Gepcultura/Unir e pesquisador do grupo de pesquisa Geografia Política, Território, Poder e Conflito da Universidade Estadual de Londrina.