Se outrora minha poesia estava cansada, agora ela respira por aparelhos, tal qual cada um dos que agonizam pelo agravamento do vírus. O eu-lírico tenta puxar o ar, mas não encontra, não há novos ares; não há novos voos a alçar; falta inspiração; falta aspiração; falta respiração. É preciso oxigenar a poesia; a sociedade; a política; a vida; (a economia?).
A poesia também vive do estranhamento. E me soa estranho que ela se cale, mesmo que asfixiada, embora não haja aparelhos suficientes ao seu alcance, ainda que tudo seja um teste, e que não sejam os testes suficientes, ela deve ecoar seu último suspiro afiada, com a faca entre os dentes, até que morra isolada.
E o isolamento é obrigatório. Alguns já vivem nele por opção. Outros estão nele por imposição, às margens da sociedade. Pessoas já morrem de fome, mas esta doença não mata a burguesia, o vírus, sim. Senhoras e senhores, trago boas novas, eu vi a cara da morte, e ela não era rica (perdoe-me, Cazuza!).
O povo precisa trabalhar para sobreviver. O povo precisa estar vivo para trabalhar. Dai ao povo o que é do povo, tomai de César o que não é de César. Tomar com uma mão para dar com a outra.
A mão invisível do mercado passa álcool em gel antes de exterminar o proletariado?
Ponha a mão na consciência, ciência vale menos que a palavra de quem você idolatra?
Se sua resposta for sim, eu lavo minhas mãos, enquanto as suas e as do seu mito terão o sangue dos que morrerem. Se for não, lavemos as mãos e fiquemos em casa. Obedeçamos e aguardemos a ciência. A ciência sucateada; a ciência da balbúrdia; a ciência ideológica. A ciência não é fakenews e nem é baseada nos devaneios sórdidos de um astrólogo que se acha filósofo. A ciência encontrará um remédio ou uma vacina. Pobre daquele que não confia em vacinas. Pobre daquele que não confia na ciência.
“Ah, eu não faço parte do grupo de risco!” Vá lá, vá pra rua. Ou sua vida será só um risco nas estatísticas ou você vai contaminar alguém que faz parte do grupo. Egoísmo, egocentrismo, ego… A saúde econômica é recuperável. O valor de uma vida é inestimável. A economia sobreviverá respirando por aparelhos do sistema financeiro, mas o deus dinheiro não consegue pagar por respiradores para todos que precisarão.
O Caos está instalado ao redor da Terra (ou seria pela retidão da terra plana?), do polo sul ao polo norte, na polarização do discurso, na esquerda e na direita, de leste a oeste. Não há poesia que esteja sadia. E se, como disse Gullar, a arte existe porque a vida não basta, a poesia sobreviverá por além do Caos. Alguns acreditam que existe beleza no Caos, outros que o Caos é necessário para a reconstrução, para a revolução. Por ora, acreditemos que o Caos passará e que, quanto mais distantes estivermos, maior será a quantidade de nós não desatados depois. A poesia sobreviverá e nós também. A poesia é Caos.