Em um cenário político cada vez mais marcado pela velocidade das redes sociais, a capacidade de conduzir narrativas simbólicas tornou-se um elemento tão poderoso quanto leis e decretos. Neste ambiente, a comunicação deixa de ser apenas um meio de expor ideias e passa a atuar como um verdadeiro instrumento de dominação, capaz de definir agendas, influenciar percepções e moldar emoções de maneira quase instantânea.
O episódio recente em que uma oficial de Justiça foi designada, por determinação do relator do processo no STF, ministro Alexandre de Moraes, a ingressar na UTI do Hospital DF Star para citar e intimar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), ilustra esse poder simbólico em ação. Tratou-se de uma manobra processual calculada, que virou notícia mundial não apenas pelo ineditismo, mas pela forma como expôs a performance política por trás de um ato jurídico.
Naquela tarde, a câmera registrou cada detalhe: o enquadramento que ressaltava a vulnerabilidade do ambiente hospitalar, o instante em que Bolsonaro recebeu o mandado, e até o tom de voz que transmitiu simultaneamente indignação e fragilidade. Milhões de pessoas assistiram ao vídeo, compartilharam e, consciente ou inconscientemente, potencializaram a narrativa de “injustiça perseguitória”.
Enquanto isso, boa parte da nossa base limitou-se ao deboche. Memes, piadas e risadas diante de uma situação que, para muitos, parecia absurdamente teatral. No entanto, cada clique irônico cumpriu o papel contrário ao desejado: amplificou a estratégia de comunicação, tornou a cena viral e reforçou o sentimento de vitimização. Rir de um roteiro tão bem orquestrado é, na prática, ignorar o poder de persuasão que ele carrega um poder que, em seara política, vale mais do que argumentos técnicos ou estatísticas frias.
O grande desafio, portanto, é desenvolver uma cultura de vigilância comunicacional. Não basta simplesmente desmascarar o conteúdo; é preciso entender as técnicas de encenação, questionar os símbolos e neutralizar o efeito viral. Em vez de tratarmos toda provocação como piada, deveríamos empregar nossa criatividade em desconstruir narrativas, oferecer contexto e expor os bastidores de cada gesto.
Porque, neste novo tabuleiro, não vence quem tem razão, mas quem consegue tocar e mobilizar o coração do povo. E quem continuar tratando tudo como piada, corre o risco de ser o primeiro a chorar quando essa arma simbólica for disparada contra aquilo em que realmente acredita.
Samuel Costa é rondoniense, professor, advogado e especialista em Ciência Política.