SEGUNDA-FEIRA, 07/07/2025
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Real Forte Príncipe da Beira: a sentinela do tempo – por Lourimar Barroso

Uma fortaleza entre tratados e territórios: o Real Forte Príncipe da Beira como símbolo da presença portuguesa e das disputas geopolíticas na fronteira amazônica do Brasil colonial.

Por Lourismar Barroso | News Rondônia

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Real Forte Príncipe da Beira: a sentinela do tempo - por Lourimar Barroso - News Rondônia

Situado na margem direita do rio Guaporé no atual município de Costa Marques, estado de Rondônia, o Real Forte Príncipe da Beira, constitui-se como uma das mais significativas expressões da arquitetura militar portuguesa no território amazônico. Sua construção, iniciada em 19 de abril de 1775, sob a coordenação do engenheiro Domingo Sambuceti e do governador da Capitania de Mato Grosso, Luiz de Albuquerque de Melo Pereira Cárceres, que segundo BARROSO (2015) representou um marco geopolítico fundamental na consolidação da fronteira oeste do Brasil colonial.

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Erguido em um contexto de tensões diplomáticas e disputas territoriais entre as Coroas ibéricas, especialmente no período posterior ao Tratado de Madrid (1750) e ao Tratado de Santo Ildefonso (1777), para FURTADO (2007) a fortaleza tinha como principal objetivo assegurar a posse lusitana sobre a região do Vale do Guaporé, frente às ameaças de incursões espanholas e à necessidade de controle sobre as rotas fluviais e os recursos da região. A história do Real Forte Príncipe da Beira insere-se em uma historiografia que, nas últimas décadas, passou a repensar as fronteiras não apenas como limites geográficos, mas como espaços dinâmicos de encontro, conflito e negociação entre diferentes agentes sociais. Como destaca FURTADO (2007), a consolidação das fronteiras coloniais na América portuguesa foi, simultaneamente, um processo diplomático e social, no qual a ação dos sertanistas, missionários, militares e indígenas foi tão relevante quanto os acordos formais celebrados entre as metrópoles.

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Conforme destaca HOLANDA (2006, “a expansão das fronteiras coloniais não foi um fenômeno apenas militar, mas sobretudo um projeto civilizatório, que articulava interesses econômicos, políticos e culturais”. A construção do Real Forte Príncipe da Beira reflete, portanto, essa lógica de ocupação e controle, sendo, ao mesmo tempo, um instrumento de defesa e de afirmação da soberania portuguesa sobre a Amazônia ocidental. Além disso, HOLANDA (2006) já advertia que a formação da sociedade brasileira é profundamente marcada pelos movimentos de expansão para o interior, onde os valores da metrópole se friccionaram com as realidades locais, muitas vezes sendo reconfigurados. A materialização dessas tensões está impressa nas pedras do Forte, que guardam não apenas uma história militar, mas também as marcas de encontros e desencontros civilizatórios.

Real Forte Príncipe da Beira: a sentinela do tempo - por Lourimar Barroso - News Rondônia

Sua concepção arquitetônica segue os preceitos do modelo Vauban, de fortificação abaluartada, apresentando planta quadrangular com quatro baluartes nos vértices, além de muralhas de considerável espessura, capazes de suportar ataques por artilharia da época. Para COSTA (2008), tal configuração não apenas reflete os avanços técnicos da engenharia militar europeia, mas também evidencia a importância estratégica que a Coroa Portuguesa atribuía ao controle dos espaços amazônicos.

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Segundo MOREIRA (1988), “o sistema defensivo luso-brasileiro na Amazônia não se limitava ao enfrentamento externo, mas também servia como mecanismo de controle interno sobre populações indígenas, mestiças e grupos considerados indesejáveis ao projeto colonial”. Assim, para além de sua função militar, o Forte desempenhou, ao longo do século XVIII e nas décadas subsequentes, um papel central na formação de redes de ocupação, sociabilidade e circulação na região. Na perspectiva de MOREIRA (1988), as fronteiras amazônicas não devem ser compreendidas unicamente pela ótica da imposição colonial, mas como zonas de intensa circulação cultural, onde populações indígenas exerciam agências diversas, ora resistindo, ora negociando ou se apropriando dos mecanismos coloniais. Nesse sentido, o Forte se torna um exemplo eloquente de como a presença estatal se materializava em estruturas físicas que, longe de serem meros elementos defensivos, funcionavam como centros de reorganização territorial e social.

Para PORRO (1996 o espaço tornou-se um ponto de confluência entre diferentes grupos sociais, militares, sertanistas, quilombolas, indígenas, missionários e comerciantes, gerando dinâmicas culturais, econômicas e políticas que contribuíram para a configuração da fronteira amazônica. Autores como Porro (1996) contribuem para essa abordagem ao enfatizar que as fronteiras amazônicas foram, e continuam sendo, espaços onde as políticas estatais colidem com as cosmologias, territórios e direitos dos povos indígenas. A patrimonialização de espaços como o Forte não pode, portanto, ser desvinculada das narrativas que reconhecem tanto os sujeitos colonizadores quanto os sujeitos historicamente subalternizados.

Atualmente, o Forte representa não apenas um vestígio material da história colonial, mas também um lócus de memória, cuja preservação e estudo são fundamentais para a compreensão dos processos de territorialização, colonização e resistência na Amazônia ocidental. Como sublinha Lourismar Barroso (2015), “o Real Forte Príncipe da Beira não é apenas uma fortificação militar, mas um livro de pedra, que narra, silenciosamente, os processos de construção do território, da identidade e da soberania na fronteira amazônica”.

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A discussão contemporânea sobre o patrimônio na Amazônia também incorpora uma crítica à visão tradicional que privilegia apenas a materialidade das edificações. Lourismar Barroso (2015) observa que o Real Forte Príncipe da Beira, mais do que um monumento, constitui-se como um marcador de processos históricos mais amplos: a formação de identidades locais, a memória das interações interétnicas e a resistência sociocultural nas bordas do império colonial.

Ao se posicionar como uma verdadeira sentinela do tempo, o Real Forte Príncipe da Beira desafia não apenas a erosão natural do ambiente amazônico, mas também o esquecimento histórico. Sua permanência impõe reflexões sobre a importância da memória patrimonial, do reconhecimento das heranças coloniais e da valorização das identidades locais no contexto das fronteiras brasileiras.

Por fim, esse debate sobre memória e patrimônio, é indispensável compreender que o Real Forte Príncipe da Beira não é apenas um objeto do passado, mas um elemento ativo na construção da memória social contemporânea. Sua preservação transcende a preocupação estética ou arquitetônica; trata-se de um instrumento de fortalecimento das identidades locais e regionais, sobretudo em contextos amazônicos, onde os processos históricos foram, por muito tempo, marginalizados das grandes narrativas nacionais.

Essa discussão amplia o entendimento do Forte como uma verdadeira “sentinela do tempo”, não apenas no sentido físico, mas como guardião de memórias plurais, que envolvem colonizadores, colonizados, agentes da Coroa, populações indígenas e a própria natureza amazônica, que moldou e desafiou a permanência desta obra ao longo dos séculos.

REFERÊNCIAS: 

BARROSO, Lourismar. O Real Forte Príncipe da Beira: história, memória e patrimônio na fronteira amazônica. Porto Velho: Edição do Autor, 2015.

FURTADO, Júnia Ferreira. Homens de negócio: a interiorização da metrópole e do comércio nas Minas setecentistas. São Paulo: Hucitec, 2007.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

MOREIRA NETO, Carlos de Araújo. Índios da Amazônia: de sujeitos a objetos da história. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1988.

PORRO, Antônio (Org.). Índios no Brasil: história, direitos e cidadania. Brasília: Ministério da Justiça, 1996.

SILVA, Alberto da Costa e. A manilha e o libambo: a África e a escravidão, de 1500 a 1700. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.

[1] Doutor em Educação – Mestre em História – Especialista em Arqueologia da Amazônia – licenciado em História e escritor regional.

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