Há 80% de probabilidade de as temperaturas globais baterem pelo menos um recorde anual de calor nos próximos cinco anos, aumentando o risco de secas extremas, inundações e incêndios florestais, segundo novo relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM), agência especializada da Organização das Nações Unidas (ONU).
Pela primeira vez, os dados indicam também pequena probabilidade de que, antes de 2030, o mundo possa registrar um ano 2ºC mais quente do que na era pré-industrial, possibilidade que os cientistas descrevem como “chocante”. Após os dez anos mais quentes já medidos, a última atualização do clima global a médio prazo mostra a ameaça crescente para a saúde humana, as economias nacionais e as paisagens naturais, a menos que as pessoas deixem de queimar petróleo, gás, carvão e árvores.
“Acabamos de viver os dez anos mais quentes já registrados. Infelizmente, esse relatório não mostra sinais de abrandamento”, resumiu Ko Barrett, secretário-geral adjunto da OMM.
A atualização, que sintetiza as observações meteorológicas em curto prazo e as projeções climáticas em longo prazo, indica que existe uma probabilidade de 70% de que o aquecimento médio quinquenal para 2025-2029 seja superior a 1,5ºC em relação aos níveis pré-industriais.
Isso colocaria o mundo perigosamente perto de quebrar o objetivo mais ambicioso do Acordo de Paris, o tratado internacional sobre alterações climáticas, embora esse objetivo se baseie numa média de 20 anos. O relatório, de 27 páginas, indica também probabilidade de 86% de que 1,5°C seja ultrapassado em pelo menos um dos próximos cinco anos, em comparação com 40% no relatório de 2020.
Em 2024, o limiar de 1,5ºC foi ultrapassado numa base anual pela primeira vez – resultado considerado implausível em qualquer das previsões quinquenais anteriores a 2014. O ano passado foi o mais quente dos 175 anos observados.
O aquecimento de 1,5°C é calculado em relação ao período de 1850-1900, antes de a humanidade ter começado a queimar industrialmente carvão, petróleo e gás, cuja combustão emite dióxido de carbono, o gás com efeito estufa que é o principal responsável pelas alterações climáticas.
Este é o objetivo mais otimista que os países incluíram no Acordo de Paris em 2015, mas que, cada vez mais, climatologistas consideram agora impossível de alcançar. É que as emissões de CO2 ainda não começaram a diminuir em nível mundial e, na verdade, continuam a aumentar.
“Isso é inteiramente consistente com o fato de estarmos perto de exceder 1,5°C a longo prazo no final da década de 2020 ou no início da década de 2030”, comentou o climatologista Peter Thorne, da Universidade de Maynooth, na Irlanda.
Para atenuar as variações naturais do clima, são utilizados vários métodos para avaliar o aquecimento em longo prazo, explicou Christopher Hewitt, diretor dos Serviços Climáticos da OMM, no relatório.
Uma das abordagens combina as observações dos últimos 10 anos com as projeções para a próxima década, tomando a estimativa central. Isso dá um aquecimento médio atual de 1,44°C para o período 2015-2034. “Não há consenso”, adverte Hewitt.
Mas a estimativa é da mesma ordem que a do observatório europeu Copernicus (1,39°C) Quando é que atingiremos os 2°C?
Para destacar a rapidez com que o mundo está aquecendo, até os 2ºC aparecem agora como uma possibilidade estatística na última atualização, compilada por 220 membros do conjunto de modelos fornecidos por 15 institutos diferentes, incluindo o Met Office do Reino Unido, o Centro de Supercomputação de Barcelona, o Centro Canadense de Modelação e Análise Climática e o Deutscher Wetterdienst. A probabilidade de 2ºC antes de 2030 é diminuta – cerca de 1% – e exigiria a convergência de múltiplos fatores de aquecimento, como um El Niño forte e uma oscilação Ártica positiva, mas era anteriormente considerada impossível num período de cinco anos.
“É chocante que os 2ºC sejam plausíveis”, afirmou Adam Scaife do Met Office (serviço de meteorologia do Reino Unido), que desempenhou papel de liderança na compilação dos dados. “O resultado foi de apenas 1% nos próximos cinco anos, mas a probabilidade aumentará à medida que o clima aquecer”.
Scaife lembrou que, há uma década, as previsões tinham mostrado pela primeira vez a probabilidade – também “muito baixa” na altura – de um ano exceder 1,5°C. Foi o caso, pela primeira vez, de um ano civil em 2024.
Cada fração de grau de aquecimento adicional pode intensificar as ondas de calor, as precipitações extremas, as secas, o derretimento das calotas polares, do gelo marinho e das geleiras. O ano de 2025 não oferece tréguas.
Leon Hermanson, do Met Office, que liderou a elaboração do relatório, acrescentou que 2025 será provavelmente um dos três anos mais quentes de que há registro.
Já Chris Hewitt, diretor dos serviços climáticos da OMM, descreveu um “quadro preocupante” para as ondas de calor e a saúde humana. Afirmou que ainda não é demasiado tarde para limitar o aquecimento se as emissões de combustíveis fósseis forem reduzidas. Na semana passada, a China registrou temperaturas superiores a 40°C em algumas zonas, os Emirados Árabes Unidos quase 52°C, e o Paquistão, assolado por ventos mortíferos após intensa onda de calor.
“Já atingimos um nível perigoso de aquecimento global, com as recentes inundações na Austrália, França, Argélia, Índia, China e Gana e os incêndios florestais no Canadá”, afirma Friederike Otto, climatologista do Imperial College de Londres.
“Continuar a depender do petróleo, do gás e do carvão em 2025 é uma loucura absoluta”, alerta.
Outras previsões
A OMM prevê igualmente que o aquecimento no Ártico continue a exceder a média global nos próximos cinco anos.
Os impactos não serão iguais. Prevê-se que os invernos no Ártico aqueçam 3,5 vezes mais depressa do que a média global, em parte porque o gelo marinho está derretendo, o que significa que a neve cai diretamente no oceano em vez de formar uma camada na superfície para refletir o calor do sol de volta para o espaço. A previsão é de que a floresta amazónica sofra mais secas, enquanto o sul da Ásia, o Sahel e o norte da Europa, incluindo o Reino Unido, registrem mais chuva.
A concentração de gelo marinho deverá diminuir nos mares de Barents, Bering e Okhotsk, enquanto o sul da Ásia deverá continuar a registrar mais precipitação do que o normal.
Preveem-se condições mais úmidas no Sahel, no norte da Europa, no Alasca e no norte da Sibéria, e condições mais secas na bacia amazônica.