Há milênios que existe essa história de que o jardim do vizinho tem a grama mais verde. Será por causa do adubo, da posição do sol, do cuidado do jardineiro? A cena se repete: alguém olha pro outro e tem uma pitada de inveja. Quando é somente uma pitada, o vento pode levar. Problema é quando se transforma no desejo de viver o que a outra pessoa vive.
Pode-se compreender esse inadequado comportamento do ponto de vista sociológico, psicológico, filosófico e até botânico. Entanto, aqui compartilho o ângulo da fé: o que acontece quando alguém desiste de seu jardim, de sua vida espiritual e passa a sentir e praticar acriticamente a religiosidade propagada em alguns templos e mídias sociais?
A situação é grave, atual e corriqueira. Você pergunta pelo smartphone se o amigo está bem, e ele diz que está obedecendo a um líder religioso famoso. Você encontra um conhecido e compartilha que está passando por uma dificuldade, então ele o aconselha a seguir o influencer cristão da vez, que promete solução para tudo.
A cada minuto que alguém deixa de viver sua fé pessoal torna-se mais um desnutrido espiritual. Por isso, estamos cercados por uma multidão de esqueléticos que flutuam nos esgotos fétidos de um cristianismo vergonhosamente iluminado pelos holofotes da riqueza fácil, do conluio com a política partidária e da prática da intolerância. Esses zumbis lotam templos e somam os milhões de seguidores nas mídias numa constante e infrutífera admiração alienadora da grama verde do jardim do outro.
A subalimentação espiritual também é resultado da falácia de líderes religiosos que transformam o culto num animado show de atrações para que o público goste e volte e contribua com mais dinheiro. Eles matraqueiam muito. Enriquecem-se demais. Pouco ensinam. Nada aprofundam. Repetem a filosofia do faça o que eu digo mas não faça o que eu faço; afinal, os fariseus da época de Jesus tiveram filhos, netos, bisnetos…
Crescer dói. Inclusive espiritualmente. Paulo aconselha o cuidado pessoal e da doutrina (1Timóteo 4.16). O escritor aos Hebreus completa: o alimento sólido é para adultos que conseguem discernir o bem e o mal (5.14), isto é, para quem amadurece diante de si mesmo, de Deus e do próximo. Sem maturidade pessoal, a pessoa é levada por qualquer vento de doutrina (Efésios 4.14), boiando na superficialidade do modismo da vez. Ao descuidar da própria fé, infelizmente, há quem passe pela vida somente admirando a linda grama verde do outro!