Com apenas o 4º ano do ensino fundamental, a cearense Maria Moura dos Santos, conhecida como Maria Toinha, prova que nunca é tarde para deixar um legado. Aos 89 anos, ela é autora de quatro livros e finalista do Prêmio Sim à Igualdade Racial 2025, na categoria “Educação – Inspiração”, promovido pelo Instituto Identidades do Brasil (ID_BR).
Maria construiu sua trajetória literária com base nas próprias experiências de vida, narradas ao neto, Marcos Andrade, que é sociólogo. Após um grave problema de saúde que afetou sua memória, ela reencontrou seu passado e sua voz por meio da escrita, com o neto atuando como transcritor fiel de suas falas.
“Ela fala, eu registro, edito, mas a essência é toda dela. Cada história só existe porque nasceu da vivência e da forma dela de ver o mundo”, explica Marcos.
Da oralidade à literatura
A escrita dos livros surgiu de forma despretensiosa. Em um momento em que o neto precisava de informações para um trabalho escolar, pediu à avó que contasse algumas de suas histórias. O que era para ser uma conversa familiar se transformou na semente da primeira obra.
Hoje, Maria Toinha é reconhecida por transformar relatos de resistência, ancestralidade e espiritualidade em literatura que inspira. Mesmo sem formação acadêmica completa, ela se tornou uma voz potente contra o racismo e em defesa da liberdade religiosa.
Recuperando a memória com palavras
O primeiro livro da idosa, A mística dos Encantados, surgiu após uma pancreatite aguda que afetou sua memória. A escrita se tornou uma ferramenta terapêutica e de reconstrução de identidade. Relembrando fatos, nomes e vivências, Maria conseguiu retomar o controle da própria história.
“Foi contando que ela se reencontrou. Relembrou quem era, de onde vinha, o que havia vivido. A literatura foi o caminho de volta”, relata Marcos.
Raízes de fé e resistência
Desde os 14 anos, Maria atua como mãe de santo na umbanda. Sua fé, no entanto, não a poupou de preconceitos. Ela enfrentou o racismo religioso com coragem e compaixão, usando a espiritualidade como instrumento de transformação pessoal.
“Antes eu era fria, não me importava com os outros. Mas quando a umbanda me chamou, aprendi a sentir, a cuidar, a amar. Mudei para melhor”, afirma Maria.
Representatividade e conquista
A nomeação ao prêmio é um reconhecimento tardio, mas poderoso, da importância de sua história. “Fico emocionada. Nunca imaginei, na minha idade, viver algo assim. Meu pai nunca deixou a gente sair pra trabalhar. Hoje, já velha, tô cuidando de tudo, indo à luta. Tô feliz demais”, declarou em entrevista ao Diário do Nordeste.
Maria Toinha disputa a premiação com outras lideranças inspiradoras, como a cacica Maria Valdelice, do povo Tupinambá. A cerimônia de premiação será exibida no dia 25 de maio, após o programa Fantástico, na TV Globo.
Mais do que uma finalista, Maria já é símbolo de força, sabedoria e transformação. Uma mulher que venceu o silêncio, ressignificou o passado e se tornou autora de sua própria história.