Um estudo inédito de grande escala revelou que o Brasil possui a maior diversidade genética do planeta. A pesquisa analisou o genoma completo de 2.700 pessoas de todas as regiões do país, incluindo populações urbanas, rurais, ribeirinhas e indígenas. O trabalho identificou 8,7 milhões de variações genéticas inéditas, resultado de séculos de miscigenação entre indígenas, africanos e europeus.
Publicado na revista Science nesta quinta-feira (15), o estudo realizou pela primeira vez um sequenciamento completo do DNA da população brasileira, examinando os 3 bilhões de pares de bases que compõem o genoma de cada indivíduo. A análise revelou um verdadeiro mosaico genético, refletindo a complexa história social e étnica do país.
DNA guarda vestígios da história do Brasil
Os dados mostram que muitos traços da colonização continuam vivos no material genético da população atual. Há registros de etnias indígenas exterminadas durante o período colonial que ainda persistem em fragmentos de DNA. Também foram identificadas combinações de genomas africanos que não existem mais na África, surgidas unicamente no Brasil por causa do processo forçado de escravidão.
Outro destaque do estudo é a diferença de ancestralidade entre os cromossomos paternos e maternos: a maioria das linhagens masculinas (cromossomo Y) tem origem europeia (71%), enquanto as linhagens femininas (DNA mitocondrial) são majoritariamente africanas (42%) e indígenas (35%). Esses dados revelam um padrão comum em sociedades marcadas por colonização violenta: a descendência europeia ligada à linha paterna e a africana ou indígena à linha materna.
Diversidade genética regional
A ancestralidade genética varia conforme a região do país:
Norte: maior presença de genes indígenas.
Nordeste: destaque para a ancestralidade africana.
Sul: predominância de origem europeia.
Sudeste e Centro-Oeste: regiões com maior diversidade, reunindo ancestralidades indígena, africana e europeia.
Essa variação reflete os fluxos migratórios históricos, como a chegada em massa de portugueses no século XVIII durante o ciclo do ouro, e a expansão territorial promovida pelos bandeirantes.
Impacto na saúde
Além da relevância histórica, a pesquisa tem grande importância para a saúde pública. O levantamento genético revelou mais de 36 mil variantes ligadas a doenças como hipertensão, colesterol alto, obesidade, hepatite, tuberculose, gripe, leishmaniose e malária.
Esses dados podem orientar políticas de saúde e favorecer o desenvolvimento da medicina personalizada no país, que até agora usava como referência bancos genéticos com predominância de dados de populações europeias e norte-americanas. Conhecer o DNA da população brasileira pode melhorar diagnósticos, prever riscos de doenças e ajustar tratamentos de acordo com a genética de cada indivíduo.
Seleção genética natural
Os cientistas também identificaram padrões genéticos que sugerem uma seleção natural ao longo do tempo. Variações associadas à fertilidade, metabolismo e sistema imunológico aparecem com mais frequência do que o esperado, o que pode indicar que essas características foram favorecidas em sucessivas gerações.
“A análise apontou variações que se repetem com frequência elevada, e não de forma aleatória. Elas estão ligadas a fatores que podem ter dado vantagens adaptativas, como maior capacidade reprodutiva e melhor resposta imunológica”, explicou a pesquisadora Lygia da Veiga Pereira, uma das autoras do estudo.
Com essa base inédita de dados, o Brasil entra em uma nova etapa no estudo da genética populacional e no desenvolvimento de estratégias para cuidar melhor da saúde de sua população diversa.