Supermercados de norte a sul do Brasil têm vivido um desafio que vai além da reposição de prateleiras: a dificuldade de encontrar trabalhadores para ocupar cargos básicos, porém indispensáveis ao funcionamento das lojas. Mesmo com o desemprego em queda, a falta de profissionais tem se tornado um entrave sério, especialmente em oito funções essenciais para o setor.
Um levantamento recente da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) revelou que oito em cada dez cargos operacionais nos supermercados estão vagos. Operador de caixa, padeiro, açougueiro, embalador, repositor, atendente, vendedor e auxiliar de serviços de alimentação lideram a lista das posições mais difíceis de preencher — justamente as que compõem a espinha dorsal do atendimento diário.
A escassez atinge até mesmo cidades de médio porte, como Nova Friburgo, onde uma rede local expõe há semanas, na entrada da loja, diversas oportunidades de emprego sem conseguir preenchê-las. Clientes notam a sobrecarga dos poucos funcionários em atividade, além de filas constantes e menor agilidade no atendimento.
Para Marina Souza, frequentadora assídua de supermercados da cidade, o cenário reflete não só a falta de mão de obra, mas uma mudança de comportamento da nova geração:
“Os jovens não querem mais esse tipo de rotina. Falam sobre salários baixos e jornadas longas, ainda mais com lojas que funcionam até aos domingos. Hoje, quem segura o caixa no fim de semana é, geralmente, a turma mais velha”.
De acordo com a CNC, a dificuldade de contratação afeta 68,9% das empresas do setor supermercadista. O economista-chefe da instituição, Fabio Bentes, aponta que o problema é estrutural e impulsionado por dois fatores principais: a baixa atratividade das vagas e a defasagem entre o perfil dos candidatos e as exigências das empresas.
“Há um descompasso entre a demanda por mão de obra e a qualificação dos trabalhadores disponíveis. Em muitos casos, não se trata apenas de formação, mas também de interesse em ocupar funções com jornadas longas e remuneração modesta”, afirma Bentes.
Outro aspecto agravante é a alta rotatividade no setor, que está entre as maiores do mercado. Os supermercados operam em horários estendidos, incluindo finais de semana e feriados, o que tem afastado candidatos — especialmente os mais jovens, que buscam maior flexibilidade, seja no trabalho informal ou em áreas como tecnologia, serviços digitais e autônomos.
Segundo a Associação Paulista de Supermercados (Apas), essa carência de profissionais tem sido um dos fatores que atrasam a inauguração de novas lojas em diversas regiões. A situação é ainda mais crítica em funções que exigem conhecimento técnico específico, como padeiros e açougueiros.
Além disso, um estudo do ManpowerGroup apontou que 81% das empresas brasileiras estão com dificuldade para encontrar candidatos com as habilidades adequadas. Já uma pesquisa do FGV-IBRE mostrou uma alta histórica nas demissões voluntárias, evidenciando uma crescente insatisfação dos trabalhadores com as condições oferecidas.
Enquanto o setor supermercadista acumula cerca de 357 mil vagas abertas — quase 4% da força de trabalho atual — a tendência é de que o problema se agrave. Especialistas defendem medidas urgentes de valorização das funções, investimento em qualificação profissional e adaptação à nova realidade do mercado de trabalho.