Ser uma pessoa religiosa nessas primeiras décadas do século XXI tem sido uma assustadora experiência pedagógica e política no que se refere à convivência social. Uso, aqui, os termos “religiosa” referindo-me à pessoa que pertence a uma religião; “pedagógica”, como o arsenal utilizado para assegurar o entendimento do conteúdo transmitido; e “política”, no sentido do exercício da cidadania por mulheres e homens em nossa pátria amada.
Distraidamente, alguém não notará que a Guerra Fria está sendo requentada no fogão das relações internacionais e, infelizmente, em nosso quintal também. Estamos submergindo no arquitetado reducionismo direita-esquerda que empobrece nossa pluralidade social, separa familiares e somente interessa a meia dúzia de poderosos. Quase sufocados, já não encontramos quem defenda que opinião é diferente de achismo, passeata não é igual a vandalismo, segurança não é a mesma coisa que violência, oposição não é sinônimo de golpe, direitos humanos não podem ser descartados, e liberdade nunca deve ser confundida com desrespeito. Será que não enxergamos que toda ameaça ao Estado Democrático de Direito é sinônimo de extinção da cidadania, da família, da pátria e do futuro de nossos filhos e netos?
De fato, atualmente assusta rever certas sombras do passado tenso e intolerante que nos foi imposto e interrompeu a vida de tanta gente, sessenta anos atrás. Esse passado precisa permanecer iluminado e disponível, sim, nos livros e nas salas de aula como história que não deve ser repetida. Mas, alguns continuam despejando toneladas de lixo nas mídias sociais – a maior plataforma pedagógica do mundo – doutrinando todas as faixas etárias a praticarem a intolerância, ou seja, a rejeitarem conviver democraticamente sob a égide da Justiça com pessoas que tenham opiniões ou atitudes diferentes ou mesmo opostas, e a defenderem que “diferente bom é diferente morto”.
Entanto, um minuto de reflexão faz qualquer pessoa, honesta consigo mesma, entender o exemplo da Natureza: a preservação da vida está na respeitosa interligação dos diferentes. E essas pessoas diferentes no modo de ser, pensar e agir estão nas cidades e nos campos, centro e periferias, escolas e fábricas, sindicatos e igrejas, até mesmo dentro de nossa família. Quem é religioso cultiva como essência o respeito a si mesmo e ao outro, no sentido de não dizer ou fazer algo desagradável a alguém. Por isso, se indigna e não concorda com a intolerância – que é uma forma de violência. Assim pregam as milenares expressões religiosas encontradas neste planetinha tão belo e frágil. Assim ensinou Jesus.
Esse início de século assusta, mas também nos impulsiona a renovarmos nosso compromisso com a construção diária de uma sociedade onde seres humanos se respeitem e respeitem o outro e a Natureza. É tempo de usarmos o poder do voto contra a proliferação de discursos e práticas que promovem violências – como o racismo, a misoginia, a homofobia, a tortura, o sexismo, a escravidão, o genocídio e todas as discriminações. Afinal, sinceramente, querendo ou não, todos nós continuaremos interligados às demais formas de vida, no desafio contínuo da convivência, sendo os diferentes de sempre.