No altívolo voo da alteridade do ser, por mais alto que se chegue ao imaginário devaneante do homem, a casa permanece aberta às confissões, e segura para doar toda a sua fortaleza à proteção aprazível do lar.
O autor nos diz que a casa mantém o homem seguro das tempestades do céu e das tempestades da vida. Dessa forma Bachelard nos esclarece que a casa é corpo e é alma, e se torna o primeiro mundo do ser humano. Podemos assim dizer que a casa oferece ao ente um mundo de oportunidades para que este ente possa fenomenologicamente preencher o seu ser no aconchego do transcendental abrigo da vida.
Bachelard nos informa que o ser é imediatamente um valor, e que a vida começa bem, começa fechada, protegida, e agasalhada no regaço da casa. Enquanto isso o filósofo Martin Heidegger ressalta que no sentido fenomenológico, fenômeno é somente o que constitui o ser, e ser é sempre ser de um ente.
É na concatenação da casa com o homem e com o lugar vivenciado que este ente vai cotidianamente preenchendo o seu ser. Não importa se é no sentimento do belo ou no sentimento de angústia, pois na verdade ambos os sentimentos invadirão o ser e se alojarão na alma.
Quer no impoluto, quer no desbrio, a casa é um lugar do aconchego, e é no aconchego do lar que os humanos pedem proteção aos deuses da exuberância cósmica nos seus momentos de devaneios e exaltação desmesurada dos sentidos. É na poética da realidade mítica da imaginação do homem amazônico, por exemplo, que tudo se imbrica e que tudo naturalmente se organiza, pois conforme narra João de Jesus Paes Loureiro – A arte como encantaria da linguagem – “Na Amazônia inventamos nossos mitos encharcados de poesia para podermos viver na desmedida solidão de rios e florestas. Mitos de encantados que são o próprio recolhimento da palavra no sagrado dos mitos, até que a palavra se torne, ela mesma, o sagrado que se mostra na poesia”.
É na estesia da fabulosa mata, na fascinação deslumbrante das águas, no imensurável quintal ornado de flores, no fulgente brilho do sol, no luzir irradiante da lua, e nos alimentos arrancados generosamente do chão, que o homem se reconhece como ator de um lugar holisticamente entrelaçado entre a casa e o ser.