Nos últimos anos, a reconstrução da BR-319, pista que liga Porto Velho (RO) a Manaus (AM), tem tomado o tempo de agentes públicos. De um lado, políticos e empresários fazem coro em apoio da recuperação. O governador do Amazonas, o jornalista Wilson Lima, tornou-se o maior lobista, neste momento, da mais emblemática das obras bem no epicentro do pulmão do mundo.
Lima vende o empreendimento como de fundamental importância para tirar o estado dele do isolamento. Mas para uma obra desta magnitude e ainda diante do contexto envolvido, não basta apenas desejar. Do outro lado, digladiando em favor do meio ambiente, estão pesquisadores de diversas entidades. Eles detectam na reconstrução uma corrida desenfreada de crimes ambientais, principalmente, na parte mais verde da Amazônia brasileira.
Levantamentos intensificam uma camada imensa de degradação na Amazônia, apenas pelo anúncio do pavimento. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em entrevista às rádios da Região Norte, em agosto de 2023, disse que sempre foi favorável à recuperação, mas deixou claro que não iria apoiar ações que infringissem as leis ambientais.
“Decidimos construir um grupo especial para dar a palavra definitiva se podemos ou não fazer a BR-319. Quais problemas iremos criar de verdade e o que podemos evitar. Na minha opinião pessoal, eu acho que nós podemos fazer com muito cuidado, montando ponto de fiscalização e até colocando gente das Forças Armadas para tomar conta desse pedaço da estrada, evitando transtornos como invasões, ocupações, garimpeiros, madeireiros, ou seja, o que precisamos é dar garantias à sociedade. Ao povo de Rondônia e do Amazonas, nós (governo) vamos tratar com responsabilidade para, se tivermos que fazer essa estrada, faremos isso com o maior critério de exigências”.
Lula é o responsável pela criação do Grupo de Trabalho que vem debatendo o tema com representantes de diversos setores. Os debates acontecem por meio da Secretaria Executiva e da Subsecretaria de Sustentabilidade, órgãos ligados ao Ministério dos Transportes (MT). Também está envolvido o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), que mantém obras de recuperação da rodovia.
Em 2023, os organismos tinham se reunido com a população, pesquisadores, setor produtivo e organizações não governamentais no Amazonas e em Brasília. Nesta terça, 16-01, o tema voltou a ser posto na mesa, desta vez na capital de Rondônia em um encontro na superintendência do DNIT, na capital Porto Velho.
As reuniões são coordenadas pelo secretário-executivo do Ministério dos Transportes, George Santoro, e pelo subsecretário de Sustentabilidade, Clovis Benevides. No encontro de hoje, eles detalharam informações baseadas nos trabalhos já feitos pelo DNIT, como a construção de pontes suspensas para a passagem dos animais e um raio-X do desmatamento, talvez o principal problema que tem freado por décadas a reconstrução do empreendimento.
A partir do anúncio, os crimes ambientais aumentaram freneticamente e se expandem em forma de espinha dorsal. Esses pontos encontram-se, principalmente, no sul do Amazonas e em áreas da Amacro, um conglomerado de invasões que envolvem as terras dos estados do Amazonas, Acre e Rondônia.
Nos estudos de mitigação, estão a construção de 172 passagens para animais silvestres e outras 71 pontes. A obra pode ser importante para os 27 mil moradores que vivem no entorno da BR-319. O problema, dizem os estudiosos, é que isso continua soando como argumento fraco. Desde o anúncio de um possível pavimento, invasores passaram a frequentar a floresta amazônica, destruindo de todas as formas o bioma.
A rodovia Porto Velho-Manaus, mais conhecida como BR-319, conta com 877 quilômetros. Destes, 405 km não são mais pavimentados. Ficaram intransitáveis a partir do momento que a pista passou a ser destruída, segundo informações, a mando dos donos de balsas. Eles buscavam o monopólio do transporte fluvial que acontece pela Hidrovia do Rio Madeira.
Com a rodovia intransitável, quem vivia na região abandonou tudo e foi tentar a vida em outra parte do estado. Sem a presença do homem, a floresta tomou o seu lugar de origem. A ministra de Estado do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, vem sendo acusada de agir contra a construção. Ela se defende, afirmando que a liberação não depende dela, mas de uma bateria de estudos a cargo dos órgãos ambientais. Se para o Amazonas a obra é de fundamental importância, na outra parte, Marina Silva não vislumbra isso tudo. Na CPI das ONGs, Silva foi questionada por um senador e não titubeou em responder: “O Amazonas quer a pista para passear”, destaca.
A resposta de Marina Silva tem base nas pesquisas. O Amazonas não depende da BR-319 economicamente. Além disso, o estado não poderia estabelecer qualquer tipo de agricultura, tendo em vista que o território está inteiramente rodeado pela floresta amazônica. No entanto, Silva teme, acreditando que os argumentos sejam um álibi para transformar essa parte da Amazônia em uma corrida desenfreada para as invasões, o que já é uma realidade.
