Os marcadores territoriais estruturantes são marcas que simbolizam a dinamização do espaço e as experiências socioespaciais atreladas à essência humana, que cotidianamente vai resultando na construção e reconstrução de uma identidade coletiva.
Esses marcadores se diferem claramente dos demarcadores territoriais, ou dos marcadores estruturantes como bem definiu o geógrafo rondoniense Almeida Silva visto que no nosso entendimento desse autor, a ‘demarcação territorial’ é um dos instrumentos de gestão territorial do estado que atua sobre os divíduos e as coletividades, o que implica em estruturas de poder.
Quanto aos marcadores “cosmogônicos”, Almeida Silva, relaciona este marcador com as manifestações míticas e suas ritualísticas, como expressões do comportamento humano, visto que essas representações simbólicas de força material e imaterial se manifesta das mais variadas formas nas coletividades indígenas e tradicionais do espaço amazônico. Neste sentido o mesmo autor nos esclarece o seguinte:
“No caso das coletividades indígenas e coletividades “tradicionais”, os mitos são representações simbólicas que estão interligados à cosmogonia e aos aspectos ritualísticos e psíquico-espirituais e constituem um “sistema” de relações, que através do espaço de ação realizam as experiências socioespaciais no cosmo e microcosmo. Assim, esses “marcadores” organizam a vida coletiva por meio dos valores cosmogônicos, morais e espirituais”.
Os seringais amazônicos são fortemente marcados pelas diversas manifestações mitológicas de suas coletividades ribeirinhas. Essas particularidades variam de acordo com a formação histórica e geográfica das mais variadas populações tradicionais da Pan – Amazônia.
A mãe da seringueira, por exemplo, observa atentamente todas as relações cotidianas existentes entre às suas filhas seringueiras e as atividades de extração do látex pelos seringueiros em suas colocações. Qualquer ação cometida que venha prejudicar as seringueiras, torna-se alvo de punição contra os seringueiros.
O ex – seringueiro José Nogueira nos conta que se o seringueiro abusasse do corte da seringueira, ele pagaria muito caro com isso, pois se caso ela chegasse a morrer, as outras seringueiras lhe negavam o leite. Observemos o depoimento dele:
“Eu mesmo conheci um seringueiro que se meteu a besta aqui no rio Mamu e inventou de querer cortar seringa mais do que os outros. Ele queria sempre ser o melhor, para no final do ano dizer que fez mais pelas de borracha do que os outros. Foi indo, foi indo, aí um dia eu disse que um dia ele ia achar o dele. E achou mesmo. Você acredita que o abestado cortou tanto a seringueira que ela secou? Meu amigo, não deu outra, esse homem corria estrada por estrada e as seringueiras negavam o leite para ele, aí ele ficou assombrado, e teve que ir embora para outra colocação bem longe dali. Foi um castigo que a mãe da seringueira deu nele. Vixe, eu já vi tanta história da mãe da seringueira, quem entende sabe disso, e quem não acreditava, só passava a acreditar depois que ela se vingava dele”.
A caça realizada pelo seringueiro era controlada pelo Caboclinho da mata que não permitia o abuso excessivo de abates de animais na colocação. Só se podia matar o suficiente para o consumo, caso contrário o seringueiro era penalizado com uma série de chicoteadas no seu corpo. Observemos que a força mítica tinha o poder de organizar o espaço vivido dos seringais amazônicos.
Essa narrativa nos mostra que o mito como marcador cosmogônico, faz uma integração do mundo imaterial ao espaço de ação do seringueiro. Esta aproximação entre o humano e o não – humano, demonstra uma interferência simbólico – mitológica nos modos de vida do homem ribeirinho, e sua imbricada relação com a terra.