Autor: Artur Moret
No dia 09/12 a seleção brasileira foi desclassificada da copa do mundo porque perdeu para a seleção da Croácia, uma situação lamentável, mas precisamos tirar lições para frente; não necessariamente para a próxima copa, porque pelo jeito vai ser a mesma cantilena de que “agora vem o hexa”.
Foto: Tânia Rêgo/Agência BrasilFoto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Antes de entender um pouco da Croácia temos que lembrar da Iugoslávia, uma república comunista que ficava na área dos Bálcãs. A Iugoslávia se desintegrou com a morte de Tito e dali surgiram (mesmo que não pacificamente) cinco países: Eslovênia (1991), Croácia (foi resultado de um plebiscito em 25 de junho de 1991), Macedônia (1992), Bósnia e Herzegovina (1996), e Sérvia (2003), também surgiu Montenegro cindindo-se da Sérvia em 2006; pra quem não lembra a guerra dos Bálcãs foi um horror com vidas ceifadas e líderes sanguinários punidos pelo tribunal Penal de Direitos Humanos.
Mas, a Croácia depois de 1991 seguiu seu caminho, tem IDH de 0,858 e o 40o no mundo, expectativa de vida de 77,6 anos, média de escolaridade de 12,2 anos, renda bruta US$30mil, mortalidade infantil de 6 por mil nascidos, índice de desigualdade de 29,2 e em 25o lugar no mundo.
A história contada do Brasil foi de calmaria, com poucos conflitos, poucas guerras, poucas desavenças, não perdeu território, mas fez guerra com o Paraguai e ganhou o Acre da Bolívia. Entretanto não é bem assim, como exemplo, uma das fases da história brasileira que tinha tudo para dar certo e deu errado foi a abolição da escravatura, porque os escravos libertos foram abandonados a sua própria sorte para que a elite brasileira, como esperta que é, mantivesse o modelo da Casa Grande, mas sem correntes, com exploração absoluta dos brancos da casa grande. Jessé de Sousa diz que a Elite Brasileira foi cunhada na escravidão, não se livra deste modelo porque é o modus operandis para se manter no poder se reproduzindo e acumulando.
Depois da escravidão, o país passou de império para república, navegou por ditaduras, golpes de estados aqui e acolá, eleições indiretas e diretas, mas seguimos o caminho e onde estamos, IDH de 0,754 e o 87o no mundo, expectativa de vida de 72,8 anos, média de escolaridade de 8,1anos, renda bruta US$14,4mil, mortalidade infantil de 20,5 por mil nascidos e índice de desigualdade de 48,9 e em 152o lugar no mundo.
* https://static.poder360.com.br/2022/09/idh-2021-2022-8set-2022.pdf
** https://news.un.org/pt/tags/mortalidade-infantil
*** https://pt.countryeconomy.com/demografia/indice-de-gini
Mas onde está a relação com a Copa do Mundo? Não sei se há relação, mesmo assim vou me atrever a falar que as diferenças entre os dois países definiram que um seguiria e o outro voltaria para casa (só poucos vieram para o Brasil, a maior parte só fez um pequeno trajeto entre o Catar e a Europa), além do que ficou visível para mim que pouco sei de futebol (sou torcedor do Bangu Atlético Clube do Rio de Janeiro) que Croácia jogou com o coração e o Brasil não.
Mas vamos lá, o IDH, a escolaridade, a expectativa de vida, a renda per capita são maiores que do Brasil, além da mortalidade infantil ser de 6 mortes por mil na Croácia e no Brasil ser de 20,5, e pior ainda é que a desigualdade medida pelo Índice de GINI no Brasil é de 29,2- 152o lugar no mundo – e da Croácia é de 48,9 – 25o lugar no mundo, ou seja, na Croácia se estuda mais, se tem menos pobreza e a qualidade de vida é maior. Assim, por consequência, proponho que você olhe alguns pontos fundamentais que tem e não tem relação com a copa do mundo: a Croácia lutou para se transformar num país autônomo e a Croácia jogou como equipe sem ter a idolatria por um jogador.
Foto Lucas Figueiredo/CBF
A sociedade no Brasil é tão desigual porque a elite mantém essa situação. No futebol, os jogadores não são da elite até porque a maioria saiu das periferias esquecidas e o futebol os resgatou, mas se comportam como se da elite fossem. Mas as relações do futebol refletem as relações de exploração das elites, vejam como se comportam os empresários dos jogadores, vejam as irregularidades nas transferências, os altíssimos salários de poucos e os baixos salários da maioria que fica por aqui no Brasil, ainda se observarmos que os técnicos são os “comandantes” e a eles é dado o poder discricionário para a escolha de jogadores e, por fim, reparem que estes escolhidos quando ainda estão no Brasil saem para receber grandes salários fora do Brasil, ou seja, o estrelato do futebol não é para todos e sim, para poucos.
Foto: EBC
Os jogadores estrelas da seleção postam carros, relógios, jantares opulentos, mas é interessante observar que quem os vê torcendo febrilmente pelo hexa aqui no Brasil por vezes não tem certeza se vai ter a próxima refeição, são realidades chocantes e distintas que demonstram a distância que há entre os jogadores estrelas e a realidade brasileira, ou seja, confirma o que disse Paulo Freire, porque fica claro que as nossas desigualdades não comovem os jogadores. Mais ainda é possível olhar com mais detalhes o comportamento específico dos jogadores na copa – se não fosse trágico seria cômico – que vários jogadores tenham deixado o cabelo “loiro” e não era para confundir os jogadores adversários, mas sim, para se tornarem iguais ao ídolo, ou seja, é o complexo de vira lata (criado por Nelson Rodrigues na derrota da copa de 1950); sem a necessidade de ser um especialista, podemos concluir que apenas o investimento em Educação por salvar o país desse comportamento; veja só uma diferença entre nós e a Croácia, lá o nível de escolaridade é maior 50% que no Brasil.
Acho que o comportamento do time croata reflete a garra do povo que lutou para ser um país, que é diferente dos nossos jogadores que estão na seleção porque foram agraciados para estarem lá, mas não se dão conta que a sorte esteve ao lado deles e que não agraciou os milhões de desvalidos brasileiros que por aqui permanecem. Não temos no nosso espírito o sentido de brasilidade, porque todos os jogadores que são estrelas tiveram que sair do país para serem estrelas.
Por outro lado, a nossa desigualdade dá aqueles que estão na Casa Grande a capacidade de olhar diferente e de forma superior para aqueles que não estão no mesmo patamar, como foi o caso do “comandante” Tite, que depois da derrota simplesmente abandonou os jogadores no campo e foi para o vestiário: se comportou como um falso comandante que abandona sua tropa, mas não se pode esquecer que ele é apenas um “comandante” futebolístico que foi enriquecido pelo futebol, mas que se comportou como a Elite que abandonou os escravos à sua própria sorte após a abolição.
Por outro lado, melhor assim que o Brasil tenha perdido, porque nós brasileiros já podemos voltar a pensar nos nossos problemas e no natal, ano novo, nas férias e no carnaval, isso sim é voltar ao normal.