Quem nunca ouviu falar na “Capital da Madeira-Mamoré”, o “Portal da Amazônia”, a “Cidade das Três Marias”, a “Pérola do Madeira”, a “Cidade Sol” ou simplesmente “Porto Velho”, e não conheceu a sua história, jamais sentirá um misto de orgulho e legitimação.
Muito mais que uma capital de um estado brasileiro, Porto Velho é também símbolo de espaço cosmopolita, afinal, foi nesta cidade que surgiu às margens do Rio Madeira, que centenas de migrantes e milhares de imigrantes enxergaram uma chance de ter um novo lar.
É impossível, de longe, detalhar toda a fórmula que despontou Porto Velho como um lugar tão especial, não somente para os mais de meio milhão de habitantes como também para o Brasil.
Mas, nesse dia 24 de janeiro, data de sua instalação política onde completa 107 anos, o News Rondônia, não poderia deixar passar em branco e redigiu em poucas linhas curiosidades históricas, culturais, geográficas e sociais sobre a capital.
Pincelam os registros que o nascimento espontâneo de Porto Velho, ou Vila do Porto do Velho, ocorreu por volta de 1907 sob forte influência da Estrada de Ferro Madeira Mamoré (E.F.M.M) e do Rio Madeira, principal canal de locomoção da região que conectava outros afluentes da Amazônia para escoar a Borracha. Por aqui, chegaram pessoas de várias nacionalidades, antes, porém, os indígenas tinham dado o pontapé no trato de povoamento.
Para os leigos ou esquecidos, Porto Velho canta os parabéns duas vezes ao ano. O assoprar das velinhas ocorre, primeiramente em outubro, especificamente no dia 2.
Nesta data, no ano de 1917, o governador do Amazonas assinou e sancionou a Lei° 757 que permitiu a elevação do povoado de Porto Velho à categoria de cidade.
O Dr. Jonathas Pedrosa, o governador, enxergou o momento certo de desmembrar a região do Humaitá (AM) para dar os primeiros passos, mesmo que tão cedo, para o que posteriormente seria a capital do Território do Guaporé.
Já em 24 de janeiro de 1915, meses depois da elevação, Porto Velho ganhou as suas primeiras autoridades oficiais denominadas de superintendente e membros do Conselho Municipal, marcando de fato a emancipação política-administrativa.
Com essa nova formação, algumas ações da antiga administração foram desfeitas. No ato, conta a história, que Porto Velho era subdividida em duas partes: a desenvolvida (consequência da E.F.M.M e sob influência dos americanos) e a outra nitidamente pobre, sem estrutura, onde apenas habitam os operários da Ferrovia ou desempregados. De curiosidade, uma cerca fazia a divisão dentro da cidade.
A unificação foi bem sucedida. Custou, é claro, mais foi o resultado do progresso. Ruas espaçosas, criação de novas comunidades, expansão da área comercial, criação de escolas, instalação de consulados, fortalecimento cultural entre outros benefícios que as páginas dos livros nos contam.
A partir da década de 70, mediante o crescimento, Porto Velho pegou visibilidade no país, deixou de ser uma pacata cidade e passou a integrar uma logística de rota comercial importante para a América do Sul. Atualmente, do norte, em números de população, é a terceira capital mais habitada ficando atrás somente de Manaus (AM) e Belém (PA).
Também se pode destacar que Porto Velho é a única capital brasileira que faz fronteira com outro país, a Bolívia. Seu território é tão grande que ainda se limita a dois estados brasileiros: o Acre e o Amazonas. Oficialmente, segundo publicações da Prefeitura de Porto Velho (PMPV), o município é composto por 120 bairros com 13 distritos, distribuídos em seus 34.090,952 km².
Essa imensidão geográfica conecta-se com fatores socioculturais que cativam quem aparece por aqui, seja nas mais variadas circunstâncias da vida ou apenas um acidente de percurso. Conheça três personagens que possuem uma ligação muito forte com Porto Velho: Uma professora, uma jornalista e um administrador.
Professora de Biologia no Acre, Daniela Barbosa (47) não só passou a viver em Porto Velho como também aprendeu a amar a cidade, mesmo que em circunstâncias desfavoráveis.
Deixar a família, em especial os filhos adolescentes, e os amigos, isso não seria tarefa das mais fáceis. Dos principais polos de tratamento para a doença, no país, o município foi o local escolhido por ela.
“Além de ficar mais perto do Acre, Porto Velho tem se consagrado um bom lugar para tratamento de saúde na região norte. Existem diversidades de profissionais qualificados e redes hospitalares de excelência. No meu caso, o Hospital do Amor é uma referência (…) O que chama atenção é a acolhida das pessoas, não somente da área médica, como também o povo nas ruas, nos lugares. Sempre estão dispostas a nos ajudar (…) Fui recebida com muito carinho aqui. É uma cidade extremamente acolhedora e solidária. Talvez seja influência do calor, que justifique esse comportamento positivo”, avaliou Daniela.
O Mercado Cultura e as feiras são os locais preferidos de Daniela Barbosa (Foto Arquivo Pessoal)
O poder da terra também chamou bastante à atenção da educadora. Para ela, Porto Velho tem sido exemplar na agricultura com destaque para as variedades de produtos e as quantidades expostas nas feirinhas de bairros. “A gente encontra muitos produtos de qualidade e acessível. São tipos de queijos, mel, frutas e verduras fresquinhas que ajudam a ter uma alimentação saudável. Fico admirada com a quantidade de barraquinhas que são instaladas e alcançam muitas quadras do meu bairro. Isso é uma coisa muito boa que só vi, por enquanto, aqui em Porto Velho”, exaltou.
“A cidade já me acolheu! Talvez, após encerrar o tratamento, possa conseguir a aposentadoria e quem sabe residir, morar de vez aqui é um bom plano! Eu sou muito grata a este lugar. Estou bem por aqui. Minha família mora no Acre, meus amigos estão lá, porém, vejo que vir passar essa temporada reacendeu uma vontade de seguir na vida, num lugar diferente, e que tem o nítido desejo de prosperar”, comentou.
Um sonho de criança, uma visita à sua parenta e uma oportunidade de emprego. Assim pode-se resumir a ligação inicial de Antônia Lima, natural de Sena Madureira, interior do Acre, com a capital rondoniense. A jornalista e pedagoga não esconde a paixão pela cidade que tanto lhe acolheu.
O desembarque de Antônia, em Porto Velho, ocorreu em meados dos anos 1982 quando visitava a sua irmã que trabalhava numa filial do extinto Banco Estadual do Acre (Banacre). A unidade estava localizada nas imediações do “Jornal O Alto Madeira”. A cada passagem pela frente da sede, o coração palpitava e nele nutria o desejo de praticar o jornalismo, um sonho de criança. Foi justamente neste veículo, via estágio, que pôde testemunhar o crescimento da capital.
“Consegui um estágio, mesmo sendo, à época, menor de idade. Trabalhei com colegas maravilhosos, tive contatos com portovelhenses raízes onde conheci belas histórias, passei a ter certa paixão pela cidade. Costumo dizer que PHV abriu as portas para mim (…) Além do jornalismo, fui contratada pelo Governo para trabalhar na área da Saúde. Hoje em dia também executo a função de coordenadora no DER (…) E ainda trabalho na televisão, função que desempenho com muito amor (…) Por isso, sou grata e feliz por viver aqui. Foi nesta cidade que estabilizei profissionalmente, socialmente e economicamente!”, contou.
A vivência social aliada com os desígnios do jornalismo possibilitou que Antônia acompanhasse fases importantes da cidade como construção de pontos turísticos e a organização geográfica da zona urbana. “Quando cheguei, o município era muito pequeno. Lembro-me que tinha poucas ruas, poucas avenidas, um pouco de comércio, muitas regiões de periferias (…) Com o passar dos anos, vi um processo de expansão e melhoramento quase que diariamente. Algo positivo na Amazônia. Destaco como exemplo o complexo da Estrada de Ferro Madeira Mamoré e a Praça das Três Caixas D’água. Os surgimentos de novos bairros e dos espaços culturais que foram criados nesses anos, entram na nova cara, novo ciclo da nova Porto Velho”, detalhou.
Afinal, qual é a melhor definição para Porto Velho? Antônia, sem titubear, explica: “É a cidade das oportunidades! Aqui a gente chega e logo é acolhido. Raro são os casos de pessoas que vem e não conseguem emprego. Porto Velho é uma cidade de todos e para todos”.
Antônia Lima escolheu Porto Velho para iniciar no Jornalismo (Foto: Arquivo Pessoal)
Enraizada na cultura, na sociedade, e fazendo parte da história da comunicação de Rondônia, a jornalista almeja muito mais para o futuro, claro sem sair do coração da cidade. “Tudo que é meu foi construído aqui. Por isso, pretendo ficar por muitos e muitos anos, ou até quando Deus quiser. Quero que a cidade cresça, que progrida cada vez mais, que os nossos pioneiros, continuem acolhendo os novos e não percam a essência”, almejou.
Ele perdeu todos os bens conquistados numa vida inteira após um poderoso terremoto ocorrido em 2010, no Haiti. Aos 41 anos, sair do pesadelo rumo às terras brasileiras, só foi possível graças à força de vontade, coragem e um processo de ressignificação. Emmanuel Gerard, administrador por formação, nasceu no sudoeste da ilha caribenha, em Cayes. A decisão de imigrar ocorreu com a insistência dos amigos.
“A gente só não morreu porque não chegou a hora. Passamos fome, frio, vimos os perigos de entrar ilegalmente na Colômbia, sofremos agressão e preconceito no Equador, fomos roubados no Peru e chegando ao Brasil, pelo Acre, encontramos outros irmãos imigrantes sofrendo sem oportunidades. Lá nos encaminharam para um ponto lotado de gente! Foram dois meses de batalha, sem emprego, sem dinheiro. Parecia que estávamos sendo castigados por Deus (…) Pra piorar, perdi o contato com o pouco que restou da minha família, os sobreviventes”, relata.
Ainda no abrigo em Rio Branco, Emmanuel foi convidado para trabalhar na região sul do Brasil. Um ônibus, fretado pela empresa, ficou responsável de levar os cerca de 70 imigrantes até Santa Catarina (SC). A oportunidade foi recebida com muito contento. Só que no trajeto, as coisas mudaram.
“Na viagem, paramos em Porto Velho para abastecer. Eu estava faminto. Consegui pegar um dinheiro e fui comprar um lanche no outro lado da Avenida Jorge Teixeira. Meu português era muito ruim, não conseguia me comunicar direito. Perdi muito tempo explicando para a senhora qual seria o meu pedido. Eu perdi a hora de entrar no ônibus e o grupo foi embora. Por um descuido, fiquei em Porto Velho. O ônibus levou minha roupa e ainda bem que meu passaporte estava comigo na bolsa. O problema teria sido pior. (…) Fui dormir na rodoviária, dormir lá por muitos dias, não consegui emprego e comia de doações de uma igreja (…) Arrumei um trabalho só que sem carteira. Eu dormia lá e também comia lá. No final, tive que sair. Encontrei outro trabalho e não durou muito tempo. Hoje, vendo frutas e verduras no meu bairro. Sou microempreendedor, é assim que vocês chamam, não é?”, questionou sorrindo.
Apesar de um processo de imigração doloroso e ter sido desatento, Gerard não está arrependido. Na realidade, ele classifica como um presente dos céus. “Foi Deus quem me tirou do ônibus. Ele fez isso para que tivesse a oportunidade de conhecê-las aqui. Porto Velho agora é o meu país, eu sou do país Porto Velho. Sou haitiano de nascimento, não tenho vergonha, mas considero Porto Velho como o meu país, onde tenho condições de morar, de ser abraçado pelas pessoas, de ter bons amigos, por ter um documento brasileiro que pudesse de vez aqui. Eu tenho passion, é assim que a gente fala lá na ilha. Eu tenho passion por Porto Velho”, frisou emocionado.
Para o futuro, Emmanuel Gerard vislumbra mais desenvolvimento na infraestrutura com destaque para acessibilidade nas ruas e belas edificações. “Quero que Porto Velho tenha mais prosperidade com muito mais trabalho para as pessoas, para os imigrantes. O meu sonho é alcançar uma cidade com todas as ruas com asfalto, sem problema de água, sem pessoas com doenças. Eu quero o meu país Porto Velho com um pensamento de sempre crescer, mais nunca perder a humildade. Quero um lugar cheio de árvores e que os meus filhos possam viver num lugar bom”, desejou.