Após reclamação de diversos apenados, o Ministério Público de Rondônia instaurou procedimento para apurar a legalidade da Portaria nº 003, de 20 de março de 2019, da 2ª Vara Criminal da Comarca de Ariquemes. Dentre outras regulamentações, a norma condicionou o trabalho externo no regime semiaberto ao cumprimento de um sexto ou um quinto da pena, conforme o caso, bem como vinculou o gozo desse direito ao exercício prévio de atividade laboral no interior da unidade.
Inicialmente, os titulares da 6ª e 7ª Promotorias de Justiça de Ariquemes requereram à própria magistrada subscritora a revogação dos mencionados dispositivos. Argumentou-se, para tanto, que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal consolidou entendimento de que, independentemente do cumprimento do lapso de 1/6 da pena ou de qualquer outro requisito objetivo, presentes as condições pessoais favoráveis, deve ser concedida ao condenado em regime semiaberto a autorização para o trabalho externo.
No entanto, o pleito foi indeferido, ao argumento que o entendimento jurisprudencial mencionado não goza de caráter vinculante, bem como que as normas combatidas possuem critérios proporcionais, os quais, inclusive, têm colaborado para um menor índice de evasão nas saídas temporárias.
Em resposta, o MPRO ingressou com habeas corpus coletivo junto ao Tribunal de Justiça de Rondônia, tendo a inicial sido indeferida, considerando a inviabilidade do questionamento, via HC, de regras constantes em Portarias expedidas por magistrados, uma vez que o ato impugnado não teria natureza de decisão jurisdicional, mas sim administrativa.
Atento ao entendimento dominante no TJRO, o Parquet aforou novo pedido de anulação dos mencionados itens da Portaria, desta feita à Corregedoria-Geral de Justiça. Contudo, o pleito foi mais uma vez indeferido, tendo se afirmado na oportunidade que a atividade impugnada tem caráter jurisdicional, não podendo ser revista na seara administrativa.
Diante desse quadro peculiar, 6ª e 7ª Promotorias de Justiça de Ariquemes se associaram à Defensoria Pública e resolveram ingressar com pedido de providência sobre o tema no Conselho Nacional de Justiça. Na oportunidade, asseverou-se que: "Em resumo, portanto, tem-se o seguinte quadro: a célula jurisdicional do Tribunal de Justiça de Rondônia entende que a matéria ora veiculada é meramente administrativa, ao passo que os órgãos administrativos vislumbram que o tema só pode ser revisitado através de intervenção jurisdicional. Nesse cenário paradoxal, em que pese contrariar frontalmente a jurisprudência pacificada de STF e STJ, o ato administrativo ora impugnado ganha fumos de irreversibilidade, ficando o mérito de seu danoso conteúdo proibido de ser reexaminado por qualquer esfera.".
Concluiu-se o pedido afirmando que: "Não se trata, portanto, de concluir ser bom ou mau o conteúdo dos requisitos adotados pela autoridade coatora para autorização de trabalho externo. Cuida-se de reconhecer que é do Poder Legislativo a função de fazer juízos de valor sobre os fatos sociais e, a partir daí, criar as regras pertinentes. Em outras palavras, cabe ao Poder Judiciário aplicar as leis vigentes e não modificar a legislação, a fim de lhe dar aplicabilidade eventualmente melhor. Nesse cenário, as justificativas proferidas pela Magistrada para criação das regras combatidas não se mostram pertinentes. Isto é, ainda que os requisitos extralegais tenham pretensamente o condão de diminuir a evasão no que tange às saídas temporárias – dado que sequer possui confirmação formal in casu –, tal fato não autoriza o Julgador a inovar a ordem jurídica, criando regra para cercear direito previsto em lei.".
Ao decidir a questão, o Conselheiro Luiz Fernando Tomasi Keppen destacou que, enquanto conteúdo, os pontos impugnados da Portaria nº 003, de 20 de março de 2019, editada pela juíza titular da 2ª vara criminal da Comarca de Ariquemes/RO, possuem caráter jurisdicional. Todavia, a forma do ato possui inegavelmente caráter administrativo, de modo que se está diante de decisão híbrida. Nesse sentido, o Relator destacou que: "mais do que um paradoxo, a situação parece revelar uma teratologia, pois ao adquirir características híbridas, a portaria tornou-se insindicável tanto no âmbito judicial quanto no administrativo, o que, para nós, é inadmissível".
Assim, concluindo que pela ilegalidade dos dispositivos questionados, o CNJ anulou os artigos 2º, § 2º e 8º, da Portaria nº 003, de 20 de março de 2019.