Em meio ao avanço dos casos do novo coronavírus, classificado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma pandemia, diversos países adotaram medidas extremas para lidar com a situação, entre elas o cancelamento de grandes eventos, aulas em escolas e universidades e a orientação para que as pessoas evitem aglomerações ou até mesmo proximidade entre si. Na quarta-feira (11/03), o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou a suspensão de todos os voos vindos da Europa. A única exceção foi feita aos voos que partem do Reino Unido. Também na quarta, a NBA, a associação americana de basquete, anunciou a suspensão de todas as partidas, interrompendo o campeonato deste ano.
No Brasil, os casos de Sars-cov-2, como é chamado oficialmente o novo coronavírus, têm crescido exponencialmente nos últimos dias — até esta quarta-feira (11) eram 69 registros. Porém não há, ao menos até a manhã desta quinta-feira (12), uma ordem do Ministério da Saúde para as suspensões de aulas ou para que eventos sejam cancelados.
Até o momento, apenas o governo do Distrito Federal — onde foram confirmados dois casos — adotou medidas restritivas à população. Durante cinco dias, a partir desta quinta-feira, estão suspensas aulas em escolas e universidades do DF. Também foram proibidos eventos com aglomeração, como missas e shows. O decreto do governador Ibaneis Rocha (MDB) estipula também que bares e restaurantes devem manter uma distância de dois metros entre suas mesas.
Para especialistas consultados pela BBC News Brasil, mesmo que seja uma medida classificada como eficaz, as autoridades podem considerar que ainda não é o momento de ações como suspensão de aulas ou de grandes eventos em todo o país. O principal argumento, segundo eles, é porque não há registros de nenhum caso de transmissão comunitária — quando o vírus circula e não é possível mais rastrear a origem dos casos. No entanto, dizem que em pouco tempo, com o aumento de casos, será fundamental evitar aglomerações e grandes eventos.
"Neste momento, a principal orientação é para que as pessoas mantenham a higiene pessoal, como lavar as mãos com frequência e manter os locais sempre limpos", pontua Fernando Spilki, presidente da Sociedade Brasileira de Virologia.
"Mas é importante que autoridades e empresas comecem a considerar a possibilidade de adiar eventos que possam ser adiados e racionalizar os momentos em que haverá aglomerações. As pessoas precisam estar preparadas para isso", acrescenta Spilki.
Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia e diretor-médico do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, o infectologista Alberto Chebabo acredita que as autoridades passarão a orientar, daqui a alguns dias, medidas para restringir a circulação de pessoas pelo país, principalmente os Estados com mais registros — como São Paulo e Rio de Janeiro.
"A gente está se aproximando muito da transmissão comunitária. Quando isso se tornar comum, o Ministério da Saúde terá de adotar medidas de restrição de circulação e para evitar aglomerações. Essas restrições vão se intensificando conforme o aumento dos casos do novo coronavírus", declara.
"Os Estados Unidos vetaram, depois de 69 anos consecutivos, um congresso de cardiologia neste ano por conta do coronavírus. Isso deve acontecer em breve (no Brasil). Assim que o número de casos aumentar, essa medida deve acontecer. O governo estuda, inclusive, antecipar as férias escolares para evitar aglomerações nas escolas", afirma o infectologista Marcos Boulos, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
O novo coronavírus já chegou a 110 países. Ele infectou mais de 126 mil pessoas, levando 4,6 mil delas à morte. A OMS estima que 3,4% dos pacientes morrem por causa da covid-19, a doença causada por este vírus. Mas especialistas estimam que essa taxa de letalidade gire em torno de 2% ou menos.
Por enquanto, o Ministério da Saúde orienta que os brasileiros evitem aglomerações e grandes eventos, como forma de prevenção. Porém, a pasta ainda não fez uma recomendação para que os eventos sejam suspensos ou que as aulas em escolas ou universidades sejam canceladas.
Aulas, eventos e manifestações
Pelo mundo, diversos eventos foram cancelados, como festivais culturais e shows. Aulas foram suspensas em inúmeros países e funcionários de diferentes empresas começaram a trabalhar em modo home office. Na Europa, jogos de futebol passaram a acontecer sem torcidas. No Brasil, as medidas ainda são incipientes.
Somente escolas e universidades brasileiras que registraram casos da covid-19 entre algum de seus estudantes tiveram as atividades suspensas. As empresas que permitiram que todos os seus funcionários façam home office são, na maioria, aquelas que também tiveram trabalhadores diagnosticados com o novo coronavírus.
"Suspender as aulas pode impactar diretamente na economia. Muitos país terão de ficar em casa para cuidar dos filhos pequenos. É uma decisão que precisa ser muito bem avaliada pelas autoridades, que devem considerar o custo e benefício disso", pontua Spilki.
"Neste momento, talvez ainda seja o momento de deixar as crianças na escola. No Paraguai, por exemplo, há apenas dois casos e as aulas já foram suspensas. Isso é complicado. Se houver muito mais casos nos próximos meses, então as crianças podem ficar até seis meses sem estudar?", declara Chebabo.
O Ministério da Saúde deve adotar, em breve, medidas como orientação para que pessoas gripadas ou com febre não frequentem escolas ou o trabalho — ainda que não tenham saído do Brasil. Além disso, pessoas que chegarem do exterior em bom estado de saúde, independente do país, deverão ser orientadas a ficar em casa por uma semana, para avaliar possíveis sintomas, pois pesquisas apontam que o vírus costuma ficar incubado por alguns dias — aquelas que chegarem ao Brasil com sintomas deverão imediatamente procurar atendimento médico.
Mas essas medidas, segundo Chebabo, devem ser tomadas conforme o avanço dos casos de Sars-cov-2. "Provavelmente, nos próximos dias vai haver restrições de grandes eventos ou aglomerações. Sobre as suspensões de aulas, penso que isso primeiro precisa ser muito bem coordenado antes de ser colocado em prática", afirma.
No país há eventos próximos como a manifestação definida como "defesa do Brasil", que tem sido divulgada pelo próprio presidente Jair Bolsonaro e por seus apoiadores. O ato está marcado para este domingo (15).
Outro evento nas próximas semanas é o festival de música Lollapalooza, que reúne atrações musicais de todo o mundo. A previsão é de que aconteça nos primeiros dias de abril.
"O governo pode evitar (eventos como o Lollapalooza), caso queira. Por outro lado, ele pode ser acionado na Justiça pela empresa responsável, que pode usar o argumento de que todos os ingressos já foram vendidos", pontua Boulos. "O governo também pode apenas fazer como recomendação evitar qualquer reunião que tenha mais de 50 pessoas", acrescenta.
Em países com centenas de registros do novo coronavírus, autoridades recomendam a distância social, que define que as pessoas precisam manter, ao menos, um metro de distância entre si. Atos como beijinhos no rosto, aperto de mão ou abraços são desestimulados. No Brasil, não há ordem expressa referente ao tema. "Mas vai acontecer, em algum momento, essa orientação sobre a distância social de até dois metros. Porque quando houver muitos casos de transmissão comunitária, vamos ter que evitar contatos com pessoas", pontua Boulos.
"Essa distância nos contatos precisa ser adotada desde já, principalmente, por idosos e pessoas com doenças graves, que são as mais frágeis neste momento", afirma Chebabo.
Suspender eventos e aulas pode ajudar?
Mas, afinal, proibir aglomerações, suspender aulas e grandes eventos logo nos primeiros casos de coronavírus no país podem ser medidas eficazes?
"Isso pode retardar a disseminação do coronavírus, pois evita o contato entre muitas pessoas", declara Boulos.
No entanto, ele frisa que é fundamental que as autoridades saibam o momento exato para tais medidas. "Podem ser tomadas a qualquer momento. Mas não é adequado adotar medidas drásticas precocemente, pois isso pode proporcionar maior insegurança à população, podendo trazer consequências piores, como insegurança, temores, perda da confiança nas condutas sobre o tema, além do estresse acentuado", acrescenta Boulos.
"São medidas que precisam ser tomadas no momento certo, que é quando surgirem os primeiros casos de transmissão comunitária. Neste momento, serão medidas com baixa efetividade, que podem trazer prejuízos diversos, como os financeiros", diz Chebabo.