Os marcadores musicais dos seringais amazônicos possuem uma relação que envolve o seringueiro em sua cotidianidade, marcada num espaço vivido onde a solidão e a alegria se manifestam como algo real, e que podem, meio aos seus antagonismos sentimentais, conviverem incorporadas aos seus modos de vida. No contexto de sua existência, o seringueiro desde que adentrou na vastidão da floresta amazônica, adaptando-se à novos fazeres em suas colocações, cotidianamente foi dinamizando seu espaço e revelando a essência do ser. Segundo Eric Dardel é nesse “Espaço onde se desenvolve a existência, porque ela é, em essência, extensão, porque ela procura um horizonte, direções, existências que dela se aproximam, porque a vida lhe oferece percursos a seguir, fáceis ou acidentados, seguros ou incertos”.
Sobre os marcadores musicais no território africano, a historiadora Isabel Henriques relata que esses marcadores são utilizados não só para produzir músicas, porque permitem estabelecer relações à curta e longa distância entre os diferentes grupos. Ela nos diz que “Em todos esses casos verifica-se que um dos suportes mais evidentes do processo de socialização está ligado a uma tríade fundamental: música, dança, canto”.
Os primeiros migrantes dos seringais em busca de afastar a solidão e a saudade que ficou guardada apenas em suas lembranças, e na ausência de mulheres em suas colocações, os rapazes divertiam-se dançando juntos e batendo em latas e troncos de madeira, geralmente utilizando o forró, música tradicional da caatinga nordestina. Com o passar do tempo, e agora tendo a família como importante núcleo familiar, a diversão foi se intensificando, agora à base de sanfona, triângulo e zabumba. Para o escritor acreano Raimundo Souza, “Pode-se afirmar que a festa é um lugar de manutenção de identidade do seringueiro”.
Sobre os marcadores musicais nas coletividades indígenas, o geógrafo Almeida Silva nos informa que “a confecção de um instrumental musical, flautas, tambores, etc., estão repletas de ritualidades, isto é, exige uma preparação espiritual”.
Para Raimundo Souza “A maioria dessas festas no seringal aconteciam por motivo dos adjuntos, ocasião onde os seringueiros se reuniam e em um só dia brocavam (derrubavam o mato na base do terçado) para o anfitrião e, como uma certa recompensa ou mesmo para divertir os homens que trabalhavam duro durante o dia, a noite serviam um farto jantar, geralmente regrado a muita carne de porco doméstico e de caça silvestre, e em seguida acontecia uma festa tocada a sanfona, zabumba, pandeiro e triângulo”.
Nos seringais, o marcador musical além de proporcionar momentos de lazer no meio da floresta, também servia de importante meio de socialização entre as famílias espalhadas em diversas colocações. Por um momento as dificuldades são postas de lado, a solidão transforma –se em interação coletiva, e o espaço adquire novas intimidades, novos horizontes e novas afetividades. Conforme nos esclarece Gaston Bachelard “Qualquer que seja a afetividade que matize um espaço, mesmo que seja triste ou pesada, assim que é expressa, poeticamente expressa, a tristeza se modera, o peso se alivia”.
Dessa forma, o seringueiro em seu espaço de ação foi se constituindo o “ser – aí” numa temporalidade em que foi cotidianamente aprimorando sua essência humana. O ser humano passava a ser seringueiro em sua espacialidade, que por sua vez passava também através do “ser – com”, na sua relação com os demais seringueiros e com a floresta, a extravasar a descoberta da existência do ser.
O ente, foi assim, descobrindo novos saberes e fazeres que cotidianamente foi revelando seu ser. Sobre a cotidianidade, Martin Heidegger nos diz que “não se devem extrair estruturas ocasionais e acidentais, mas sim estruturas essenciais. Essenciais são as estruturas que se mantêm ontologicamente determinantes em todo modo de ser de fato da pre-sença”.