No estudo desses marcadores, a historiadora portuguesa Isabel Henriques faz referência em particular àqueles ligados à atividade comercial, que, naquela região, desempenhou importante papel na organização das sociedades da África Ocidental e Central, à Sul do Equador. Os caminhos comerciais são considerados pela autora como importantes marcadores funcionais.
Referindo-se a Henriques, o geógrafo rondoniense Almeida Silva diz que a autora contextualiza ainda que os vegetais, minerais ou aquáticos – talvez se referindo a rios, lagos e cursos d’agua, peixes – tinham a finalidade de servir como orientação para os coletivos daquele país. (2015, p. 100).
Segundo Almeida Silva com base nesses exemplos, os coletivos ameríndios e “tradicionais” também se situam, se orientam e desenvolvem suas relações com outros divíduos de parentesco, através de trilhas e caminhos na floresta e rios com “rede” entre as aldeias, tendo várias espécies de árvores como norteadoras desses percursos – embora na atualidade também se sirvam de estradas construídas por máquinas.
Com o advento da batalha da borracha ou segundo ciclo da borracha (1942 – 1945), as casas aviadoras haviam atravessado sérias dificuldades em virtude da crise da borracha com o fim do seu primeiro ciclo. Carlos Alberto Souza relata que as casas aviadoras ainda se ressentindo da crise da produção da borracha de 1913, o abastecimento da região ficou também sob a responsabilidade de órgãos do governo brasileiro e dos Estados Unidos.
Souza nos diz ainda que com o fim da “Batalha da Borracha”, as ações do governo federal brasileiro e dos Estados Unidos, foram desmobilizadas, ficando novamente a produção da borracha motivada pelos interesses das casas aviadoras que já não existiam mais nos moldes das do primeiro surto da borracha.

Mas mesmo diante de todo este aparato comercial – administrativo que fortalecia cada vez mais os poderes atribuídos ao seringalista, no percurso das rotas fluviais, ainda existia a figura do regatão, uma espécie de marreteiro comerciante independente que se utilizava dessas rotas fluviais para negociar seus produtos, principalmente com os seringueiros, que às vezes se utilizavam desse negócio tentando fugir das exorbitantes dívidas com o barracão.
Nos deteremos agora aos caminhos percorridos pelos seringueiros como relevantes marcadores funcionais atrelados aos seus modos de vida. Para que a borracha chegue até ao pequeno tapiri, onde está instalado o defumador, o seringueiro precisa percorrer a tradicional estrada se seringa, local onde fica localizada as seringueiras de sua colocação. Quando os seringueiros chegavam pela primeira vez na colocação, o seringalista enviava dois funcionários seus para realizar os trabalhos de demarcação das estradas de seringa, que eram, o mateiro e o toqueiro.

Geralmente o mateiro era um assíduo conhecedor do seringal, um conhecimento herdado das primeiras atividades de extração do látex durante o primeiro ciclo da borracha. O toqueiro trabalhava em conjunto com o mateiro, e era o responsável pelos trabalhos braçais de abertura das estradas, inclusive o de arrancar tocos de árvores que pudessem causar obstáculos à passagem seringueiro.

Nas estradas de seringa os seringueiros construíram as chamadas “esperas”, onde eles se escondiam, geralmente em locais mais altos para abater as “caças”. Geralmente a colocação do seringueiro possuía de 3 a 6 estradas de seringa, e cada estrada possuía aproximadamente de 150 a 200 árvores. O pesquisador acreano Raimundo Souza nos dá uma importante definição dos caminhos que constituem a estrada de seringa:
“O caminho das estradas de seringa tem aproximadamente o formato de uma circunferência ovalada, tendo como ponto de partida a “boca da estrada”, local onde sai dois caminhos, em ângulo com abertura aproximada de quarenta e sessenta graus progressivamente, um denominado de perna esquerda e outro de perna direita. Seguindo por uma das pernas, o ponto mais equidistante onde o caminho fizer a curva para retornar pela outra perna, denomina-se de “rodo”, além desse curso normal da circunferência, ainda existem as “mangas”, que são pequenos caminhos sem saída (20 a 30 m) que se apresentam, perpendiculares à perna da estrada e são utilizados para colher o látex de uma ou duas seringueiras que existem fora do curso normal da estrada. Existem ainda os “oitos”, que são circunferências menores, como se fossem pequenas estradas, que podem existir saindo da perna normal da estrada, onde se entra por uma perna e sai pela outra e depois o caminho continua na estrada principal, até chegar novamente na “boca da estrada”.

Os caminhos constitutivos das estradas de seringa tornam-se peculiaridades tradicionais de espacialidades e territorialidades imbricadas nos modos de vida dos seringais. “Ao atribuirmos espacialidade à presença, temos evidentemente de conceber este ‘ser-no-espaço’ a partir de seu modo de ser”, como nos alerta o filósofo Martin Heidegger.
Neste sentido, é importante ressaltar que “Toda espacialização geográfica, porque é concreta e atualiza o próprio homem em sua existência e porque nela o homem se supera e se evade, comporta também uma temporalização, uma história, um acontecimento”, conforme esclarece Eric Dardel.
O homem seringueiro no seu espaço e tempo é uma prova incontestável de superação, frente ao conjunto de adversidades que cotidianamente teve que superar. Os caminhos percorridos por ele, iniciando seu percurso ainda de madrugada, demonstra toda a sua força de existência, capaz de extrair seu sustento e o sustento da família, num cenário florestal denominado colocação. É importante destacar que toda essa árdua atividade de extração do látex nas estradas de seringa, o seringueiro utilizava indispensáveis instrumentos de trabalho que se tornaram inseparáveis ao seu cotidiano, conforme relata com precisão o escritor e ex-seringueiro Raimundo Souza:
Balde (recipiente cilíndrico, com boca estreita, de fabricação artesanal, feito de flandre, com capacidade para quatro ou cinco litros de líquido); poronga ( lamparina com armação para encaixar na cabeça, de fabricação artesanal e feita de flandre); faca de seringa (lâmina estreita de aço, com uma das extremidades afiada e curvada e a outra com um pequeno gancho que se encaixa na cabrita); cabrita ( lâmina de aço com uma extremidade curvada para encaixar a faca de seringa e a outra presa a um cabo de madeira com aproximadamente 30 cm de comprimento); raspadeira ( lâmina de aço com uma extremidade curva – noventa graus – afiada e a outra presa a um cabo de madeira em forma de uma pequena enxada), sua utilidade é para raspar a casca da seringueira, visando facilitar a execução da sangria, no local da bandeira ( parte da árvore – seringueira – delimitada para a sangria ou corte); saco de encauchado ( saco de fazenda, impermeabilizado com o látex defumado, utilizado para carregar o látex); sarugo ( tipo de corda elástica, fabricado com látex, utilizado para amarrar a boca do saco de encauchado) e estopa ( definida anteriormente ), e ainda, colocar os sapatos de seringa e roupas de trabalho no local certo, para não haver perigo de atrasar a saída na madrugada seguinte.
Como podemos observar, as estradas de seringa e o homem seringueiro com seus utensílios de trabalho, nos apresenta uma diversidade de experiências pessoais descritas por Souza, que retrata as singularidades de vivências socioespaciais inseridas no cotidiano das colocações.
Desta forma, as descrições acima mencionadas, constituem importante marcador territorial funcional no contexto da Pan – Amazônia brasileiro – boliviana. Os marcadores territoriais estruturantes a seguir, foram desenvolvidos com fundamental relevância por Almeida Silva que nos traz uma farta contribuição científico – literária nos estudos desses marcadores às coletividades indígenas da Amazônia brasileira. Neste sentido, também procuro integrá-los às comunidades tradicionais da Pan – Amazônia brasileiro – boliviana como é o caso aqui mencionado sobre os marcadores funcionais dos seringais amazônicos.