Era uma vez uma embelecida e harmoniosa mata que na sua estesiante fascinação nos ofertava um colossal deslumbramento de sua briosa e imensurável generosidade que alimentava de forma suntuosa os benevolentes guardiães da terra mãe.
Era uma vez uma pujante terra mãe que na sua radiante graciosidade reluzia virtuosa na volúpia inenarrável de sua prodigiosa e inefável beleza. Uma beleza vivificante e encantadora que despertava na pureza da alma o iniludível e dadivoso prazer dos sentidos.
Era uma vez um prazer dos sentidos imbricado ao ser dos entes, enleado a uma fé originária transcendental e entrelaçado às encantarias míticas do lugar. Um lugar impregnado de forma empática aos modos de vida dos povos da mata, uma mata inebriante e divinal, adormecida na simbólica heterotopia de vida e de mundo poético-estetizante.
Agora este mundo perece, assim como perece as suas representações simbólicas, a hermenêutica das paisagens, a toponímia dos lugares, o sentimento e o enraizamento ao espaço vivido, os valores ancestro-cosmogônicos, e os ritos e mitos transcendentais da imaterialidade da alma.
Agora o ecoequilíbrio perece, o ecocídio avança desenfreado, os povos da mata perecem sob o jugo do embuste ardiloso, a empatia deu lugar a empáfia e as forças originárias sucumbem enclausuradas.
Enquanto tudo perece, o escárnio esdrúxulo e sem escrúpulo dos dominantes, espolia e ceifa com ódio profundo o habitat natural das minorias étnico-raciais marginalizadas que no derradeiro suspiro tombam para se misturar aos funestos ossos da mata.
Marquelino Santana é doutor em geografia, pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas, Modos de Vida e Culturas Amazônicas – Gepcultura/Unir e pesquisador do grupo de pesquisa Geografia Política, Território, Poder e Conflito da Universidade Estadual de Londrina.