A proposta de uma linguagem poética multicultural na escola, vem justamente de encontro ao que propõe o respeito às diferenças sócio – linguístico – culturais. A poesia desperta na alma escolar o amor pelo metamorfoseamento transformador da vida. Nesse sentido, podemos dizer que devemos sempre atuar dentro de uma eticidade que nos deixe verdadeiramente compromissados em construir uma escola inclusiva, democrática e cidadã.
Ao analisarmos o poema que versa sobre a história de um remanescente Apurinã, estamos defendendo, exatamente o uso dessa linguagem poética multicultural como projeto inclusivo na escola e na sala de aula. Estamos também, procurando fazer a inclusão das minorias étnico-raciais marginalizadas num processo transparente de uma inovação curricular advinda de um contexto de práticas pedagógicas dinâmicas e inovadoras no ambiente escolar.
Dando continuidade ao poema, Camicuã consegue dormir e sonha muito durante a noite [inquetá]. No sonho ele estava nadando no Ipixuna e neste rio [uêne] ele conhece uma linda mulher [cito]. Era uma tarde [mapiã] maravilhosa para Camicuã. Mas de repente ele acorda sob um violento fogo que estava devorando a sua aldeia. Camicuã corre para salvar a vida da sua mãe, mas infelizmente ele não conseguiu manter a sua família no lugar original, e dessa forma eles tiveram que buscar sobrevivência na cidade grande.
Neste momento Capichi desiste de continuar narrando a história. Numa cadeira de rodas, o pintor Capichi fica revoltado e começa a gritar. Ele lembrou que durante a invasão de suas terras pela sociedade envolvente, ele conseguiu fugir ao lado de sua mãe, sem direito a terra nem pão. Tempos depois, a sua mãe faleceu depressiva, e a única companhia que lhe restou foi o poeta Aristeu. Capichi finalmente desabafa e conta toda sua história ao poeta. O poeta pede desculpas pelo que o homem branco fez ao seu povo. Os dois se abraçam e clamam por um mundo mais justo para todos, através da arte pura da poesia.
O pintor Capichi pediu ao poeta que finalizasse a tela literária, pois sentiu de perto a destruição da floresta e o etnocídio do seu povo.
A linda história suave como uma canção
Também esbarra no coração do pintor
Ele diz ao poeta: – por favor!
– Eu senti a dor da devastação.
Essa pintura deixou triste seu coração
E essa tela não se pode rasurar.
Letras e cores se misturam para mostrar
Que é preciso plantar uma semente
Que é preciso dizer para toda essa gente
Que o velório da floresta vai chegar.
O pintor para, soluça, vai chorar
Parece ouvir o canto do uirapuru
Lembrou da avó quando fazia beiju
O cumeirí, o seu mais nobre jantar.
Tucump-tí com o seu belo cantar
Fez o pintor concluir sua pintura.
Sem tela, nem tinta, pinta a cultura
E ao poeta ele mostra a Amazônia
A poesia se transforma em insônia
E a sua tela transforma-se em leitura.
Marquelino Santana é doutor em geografia, pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas, Modos de Vida e Culturas Amazônicas – Gepcultura/Unir e pesquisador do grupo de pesquisa Geografia Política, Território, Poder e Conflito da Universidade Estadual de Londrina.