Por Marquelino Santana
No silêncio da floresta esquecida, entranhada na fronteira do Noroeste boliviano, as suas populações tradicionais sobrevivem à revelia de políticas públicas inclusivas que as reconheçam como coletividades históricas daquele país, e as tirem do apagamento humano e da segregante e combalida invisibilidade social.
No limiar da primeira década do século XXI, a comunidade de Puerto Bolivar – localizada no Município de Santos Mercado, Departamento de Pando – se organiza para criar a tão almejada escola daquele povoado: a Escola 1º de Mayo. A unidade de ensino foi erguida através de mutirão e liderada pela presidente da associação de castanheiros, a senhora Jesusa. O secretário da escola, Angel, coordenou os trabalhos de construção de bancos e mesas escolares, enquanto a Professora Gabriela, carinhosamente confeccionava o seu especial e marcante quadro de madeira.
Gabriela destacou-se por se dedicar com exclusividade ao ensino das crianças. As primeiras letras foram escritas por ela à base de carvão, até que chegassem as suas caixas de giz. Em sala de aula, logo a professora percebeu que naquela escola multianual também havia estudantes brasileiros, e solicitou aos pais das crianças que a levassem até o distrito de Extrema – Rondônia – Brasil, para que ela pudesse conseguir alguns exemplares de livros do 1º ao 5º ano, editados em língua portuguesa. Ela conseguiu e retornou feliz a Escola 1º de Mayo.
Gabriela jamais negou uma lição aos alunos brasileiros e sempre tratou a todos com muito respeito, brandura e tolerância às diferentes diferenças. Anos depois a escola foi oficialmente reconhecida pelo governo boliviano. No decorrer da década de 2010, Gabriela continuava atuando bravamente na relevante arte de ensinar, mas as suas forças sofreram um forte abalo, quando os seus principais apoiadores – Jesusa e Angel – adoeceram e partiram para outra dimensão da vida.
Gabriela continuou resistindo, mas infelizmente, também adoeceu e planejou ir em busca de tratamento médico em Riberalta no Departamento de Beni. Ela sabia que dificilmente retornaria e despediu-se da comunidade, da escola e de seus alunos. No peculiar quadro escolar, ela deu o seu último abraço. Gabriela entrou na embarcação e visivelmente esmaecida, derramou as suas derradeiras e pesarosas lagrimas de giz.
Marquelino Santana é doutor em geografia, pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas, Modos de Vida e Culturas Amazônicas – Gepcultura/Unir e pesquisador do grupo de pesquisa Geografia Política, Território, Poder e Conflito da Universidade Estadual de Londrina.