Por Marquelino Santana
O fecundíssimo útero da Mãe Terra no seu estetizante estágio de benevolência e generosidade é briosamente contemplado pelo imaculado sopro da vida, celebrado divinalmente pelos demiurgos criadores da humanidade. Briosamente grávida no mundo cósmico do universo, a Mãe Terra é envolvida pelo manto sagrado dos deuses, e de forma encantadora é iluminada e amaciada por um raio telúrico que faz abrir a sua divinizada bolsa da existência humana.
O parto mítico da criação no repouso da sua cosmogonialidade é celebrado pelas encantarias florestais que em ritualidades sagradas, anunciam o dadivoso nascimento do porto. O porto ainda é uma criança, e, portanto, precisa sobreviver. A criança cresce alimentada por diversas coletividades originárias que navegam silenciosamente numa inefável rede fluvial de ubás.
A criança se torna moça, e sem o temor do desconhecido assiste as seculares lutas tribais sem se amedrontar, devido a sua obstinada resistência, os deuses da floresta a transforma em Porto Mãe, e anunciam a migração de muitos filhos. Porto Mãe observa que as pequenas ubás vão sendo encurraladas e extintas, batelões e navios lhe tiram o silêncio, religiosidades europeizadas hostilizam as mitologias e ritualísticas ancestrais, enquanto os tortuosos cordões umbilicais de todos os continentes se tornam rotas fluviais que se entrelaçam às águas barrentas do rio madeira para anunciar o advento de um lar intermulticultural.
Porto Mãe permitiu que no seu vasto corpo fosse construído uma longa estrada, edificada à ferro e sangue, Porto Mãe assistiu as suas águas receberem mercúrio em troca da extração ilegal de seus recursos naturais, mas Porto Mãe jamais deixou de ser uma mãe acolhedora, jamais desistiu de cuidar de seus filhos, e jamais deixou de ser a nossa querida e amada Porto Velho de cada dia.
Marquelino Santana é doutor em geografia, pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas, Modos de Vida e Culturas Amazônicas – Gepcultura/Unir e pesquisador do grupo de pesquisa Geografia Política, Território, Poder e Conflito da Universidade Estadual de Londrina.