A empregada Maria de Lourdes Ventura de Sousa, de Ribeirão Preto (SP), viaja no fim de semana para Assis (SP) para uma missão que não parece fácil.
Depois de perder o papagaio que criou por 35 anos em uma apreensão da Polícia Militar Ambiental em 2018 e de recuperar na Justiça o direito a posse dele, ela agora precisa identificar o bicho, abrigado em uma ONG, mas sem cadastro de origem.
"A hora que eu ver, se ele estiver ainda vivo, vai ser bem forte a emoção, porque ele fazia parte da minha família, era como um filho", diz.
Em 2018, depois de uma denúncia anônima, a polícia apreendeu o animal silvestre, chamado de "Lourão", na casa de Maria de Lourdes porque a criação não estava de acordo com as normas exigidas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Segundo a moradora, o bicho foi criado com os filhos como parte da família, solto em casa, e perdê-lo foi motivo de muito sofrimento.
"Fiquei muito depressiva, chorava muito, ficava só em um quarto escuro, não tinha vontade de nada", conta.
O papagaio foi, então, levado para uma ONG em Assis que recebe animais silvestres apreendidos pela polícia, e Maria de Lourdes resolveu entrar na Justiça para ter direito a cuidar do bicho.
Briga judicial
Em primeira instância, o mandado de segurança foi rejeitado em Ribeirão Preto e a moradora recorreu ao Tribunal de Justiça (TJ-SP). Nesse âmbito, a 2ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente entendeu que o melhor local para o papagaio é na casa de Maria de Lourdes.
"Ora, restou demonstrado nos autos que a ave em questão, o papagaio 'Lourão' (espécie "Amazona Aestiva"), cuja posse se pretende ver restituída, está na posse da proprietária há mais de 35 anos e que nunca apresentou indícios de maus-tratos, estando completamente adaptado ao meio em que vive", argumentou o desembargador Paulo Celso Ayrosa Andrade.
Segundo o advogado de defesa de Maria de Lourdes, David Borges Isaac, como não houve recursos, a decisão transitou em julgado em agosto de 2019, voltou para cumprimento de sentença em primeira instância, mas, por conta da pandemia em 2020, a busca pelo animal precisou ser adiada.
"O judiciário entendeu que devolvê-lo ou entregá-lo ao meio ambiente natural seria mais prejudicial do que mantê-lo naquele ambiente", diz.
Segundo a bióloga Giselda Person, pela lei brasileira um animal silvestre, como o papagaio, precisa viver solto e, para criação, tem que estar em um ambiente fiscalizado e certificado. Ela concorda, no entanto, que no caso analisado pela Justiça, a decisão foi a mais acertada.
"O animal, sendo retirado desse contato, desses anos todos de convivência, vai para um local cheio de outros da espécie dele e vai ficar triste, sem vida. Eu concordo que volte [para a antiga cuidadora], já aprendeu a conviver, ele fica feliz", diz.
Busca pelo animal
Vencida a batalha judicial, Maria de Lourdes agora tem pela frente o desafio de identificar Lourão entre as aves abrigadas na ONG em Assis.
A tarefa, no entanto, não deve ser fácil, porque a entidade não tem um cadastro com registro da origem dos bichos.
No fim de semana, a empregada viaja para o município com uma estratégia em mente: vai chamar o bicho pelo nome e cantar "É o Amor", de Zezé Di Camargo & Luciano, na esperança de que o papagaio reaja à canção e a reconheça.
"Eu cantava pra ele e ele dava uns gritinhos dele como se estivesse cantando, não podia cantar a música pra ele que ele ficava cantando junto do jeito dele. Eu vou usar todos esses meios, pedir pra ele levantar as asas pra mim", afirma Maria de Lourdes.